Tânia Gollnick e Ademir de Souza


Crítica publicada no Site do CEPETIN 
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 2008

 

 

 

Barra

Isto é teatro! 

Maria Eugênia é o espetáculo que a Cia. do Gesto está apresentando no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim.

A Cia. do Gesto desenvolve há anos um sério trabalho de pesquisa, onde a linguagem do clown tem prioridade.

Maria Eugênia é um espetáculo que vem sendo apresentado dentro do projeto da Cia “Rir é viver” que transita pelos hospitais, onde vem amadurecendo e também reafirmando a ação transformadora da Arte.

Este espetáculo discute várias questões.

Discute o que o teatro infantil entendeu por linguagem de clown – um ator que coloca um nariz, cai, tropeça e pronto – mostra este recorrente equívoco – a linguagem do clown é um forte instrumento que o teatro dispõe para falar do ser humano, mostrar suas mazelas, suas angústias, sua solidão, tudo isto com a “Verdade” do clown, o que faz com que encaremos, criticamente através do humor todas estas questões que não são passageiras. Ficam. Saem conosco do teatro. E isto é teatro.

Maria Eugênia é a história de dois mendigos e seu cotidiano visto pela lente de aumento que a linguagem do clown permite – expõe com crueza e lirismo, ao mesmo tempo, as mazelas sociais. Ademir de Souza e Tânia Gollnick dominam com competência a linguagem que utilizam, são brilhantes em cena. Corpo e máscara facial trabalham com expressividade e de forma integrada. O espetáculo vai lentamente conquistando seu público. Começa cuidadosamente e vai crescendo, a partir do momento em que os atores percebem que já têm “na mão” a plateia. A partir deste momento, sob uma direção precisa e criativa de Luís Igreja, dominam o palco.

Sem palavras, através da linguagem do corpo, da expressão facial, dos silêncios e dos sons, tendo como suporte uma excelente trilha sonora assinada por Antonio Paoli o espetáculo caminha. Mesmo sem texto a história, a fábula, é clara e tem a sua estrutura dramática muito bem construída, de modo que nada se perde. Se trabalha com o essencial. A iluminação, também de Luís Igreja, diretor do espetáculo, é concebida sob este mesmo viés do essencial. Poucas e significativas luzes sublinham e reforçam as cenas, fortes, densas, líricas, poéticas, como são os palhaços.

O clima do espetáculo nos remete ao “clochard”, ao vagabundo, a Carlitos, revela o cotidiano de dois seres que vivem à margem da sociedade, com um enorme vazio existencial, onde as ações cotidianas preenchem esta existência.

Surge então Maria Eugênia – reconstruída do material do lixo, que vem preencher este vazio dos dois personagens; traz também disputa, confronto. O espetáculo chega nesse momento ao seu clímax, onde os atores interagem de maneira inteligente e sutil com a plateia, já totalmente envolvida, emocionada e integrada com os seres humanos, em sua essência, que o espetáculo expõe com toda a crueldade e lirismo, que a linguagem do clown permite. Com certeza nenhuma criança sai dali de mãos vazias. Estas imagens, como diz o filósofo francês Durand ficarão gravadas em seu subconsciente e delas se utilizarão quando necessário na construção de sua personalidade. Esta é a função do teatro.

Acreditamos que seja necessário que pais e professores entendam profundamente a função do teatro. Há espetáculos – absolutamente espetaculosos – mas que não são absolutamente teatro e há outros, como Maria Eugênia, que com uma aparente simplicidade, mas uma forte técnica e pesquisa que o sustenta, provoca em seus espectadores todas as funções a que o teatro se propõe: emociona, diverte, critica e faz pensar. Imperdível.