João e Maria no Nordeste: marcando o caminho com rapadura

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 27.06.1998

 

Barra

João e Maria em caatinga ‘fashion’ 

Publicado pelos irmãos Grimm numa coletânea em 1812,Hansel e Gretel, recolhido no folclore alemão, é um desses contos onde a figura aterradora de madrasta se confunde coma própria bruxa do conto. Recontada à exaustão, a história faz parte dos contos da primeira infância, e a cada final, invariavelmente, o atento ouvinte reclama um “conta oura vez”. Enfim, um sucesso de público que tão cedo não vai sair de cartaz, pelo menos no que se refere ao repertório das mães e das avós. Levar ao palco essa trama já tão conhecida também faz parte do nosso folclore teatral: história conhecida, público satisfeito. Alguns encenadores, porém, não se contentam em repetir a receita.

Maria e João, peça em peça no Teatro Posto Seis, em Copacabana, não difere de suas companheiras de palco apenas pelo título invertido, Marcello Caridad, autor e diretor do espetáculo, resolveu dar cor local ao texto e ambientou a história no Nordeste brasileiro. Por conta da seca, os personagens centrais são abandonados na caatinga por uma madrasta arretada de má. Para marcar o caminho usam rapadura e, quando cai a noite, encontram a casa de uma velha mandingueira que, entre outros feitiços, bota o João para trabalhar na cozinha, enquanto espera que Maria engorde para lhe servir de almoço. Uma interessante inversão de papéis que tira do personagem feminino sua habitual fragilidade e o papel de coadjuvante do astuto irmão.

Com todas essas mudanças, o espetáculo poderia se tornar um peso para o jovem espectador. Não acontece. Marcello Caridad, sem sair de sua proposta inicial de mostrar, personagens tão brasileiros, suaviza a trama com seu característico humor. Em cena, um Nordeste fashion, em ótimos cenários de telão em craquelê assinados por Carlos Azurra, é mostrado em planos televisivos e com música ao vivo. Para acompanhar a trama na viola, nada menos que personagens caracterizados de Maria Bonita e Cego Aderaldo.

Em rápidos takes, Caridad coloca em cena um espetáculo que privilegia o lado aventuresco do texto. Usando os mesmos elementos da trama original, João e Maria continuam sendo maltratados pela madrasta, esquecidos pelo pai e quase mortos pela bruxa, mas a trama conturbada serve muito mais para estimular os protagonistas a vencer obstáculos do que para mostrar seu psicologismo na eterna luta do bem contra o mal. Coisas de fim de século.

No elenco, Leandro da Matta é João, em ótima composição de tipo desengonçado, sem caricaturas, Adriana Zanyelo é Maria, também num personagem bem construído. Em não tão boas composições, Patrícia Evans carrega nas cores da madrasta, perdendo as nuances de humor do texto, e Carlos Azurra tem presença pouco marcante no palco.

Maria e João não é um espetáculo para purista, desses que acreditam que João e Maria ficariam fascinados com a casinha de “bolo de gengibre” da “bruxa”, como no original dos Irmãos Grimm. Já os fãs do humor podem se divertir muito.

Cotação: 2 estrelas (Bom)