Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 18.06.1977

Barra

Maria D’Água: longe do êxtase

– Não atravesso nunca o rio. Não sei o que pode ter no lado de lá.

– Vou por aí… Não sei exatamente aonde!

Essas duas frases são fundamentais para a perfeita compreensão de Maria D’Agua, Trágica e Trabalhadeira, texto de Luís Sorel que está sendo apresentado no auditório Franco – Brasileiro (na Rua das Laranjeiras, defronte à Igreja do Largo do Machado). Essas duas frases significam dois momentos do personagem Maria: momentos opostos que mostram a evolução sofrida por ela: de uma posição fechada, cheia de inseguranças e medos, para uma postura dinâmica, cheia de incertezas, mas sabendo que é mais importante enfrentar que fugir; que é melhor participar de um processo de ação viva que ficar um ser neutro, com um cotidiano banal, enfeitado apenas por ações comodistas e atitudes passivas; e que é melhor penetrar no “desconhecido do que ficar cada vez mais distante da felicidade e do êxtase.”

A certa altura do texto senti medo de que a conversação de Maria acabasse sendo obtida pela chegada, qual deus-ex-machina, de um fator externo (o presente do pássaro que “muda a Vida”), sem que houvesse, no personagem, uma real ação interior que determinasse uma transformação tão radical. Mas o medo desaparece à medida que Maria acaba atravessando o rio utilizando uma arma que é apenas sua e que independe de pássaros de boa ou má vontade: sua imaginação. Independente da influência do fato externo, o que é importa mais é que saiu de dentro de Maria o impulso para que ela, afinal realizasse uma ação que lhe era tão difícil.

A peça é bastante clara e o próprio simbolismo do rio é de fácil percepção; todas as conotações místicas, se não chegam a ampliar o conteúdo do texto, servem, entretanto, para aumentar a carga de estímulos sensoriais com os quais o espetáculo se enriquece. O que impede então a encenação de se realizar plenamente? Qual a causa da monotonia que, principalmente no caso de criança, leva à dispersão? Penso que o primeiro fator negativo está na estrutura do texto, armada de modo demasiadamente esquemático e previsível. Maria estará sempre naquele pedaço do rio recebendo a série de visitas. O segundo fator esta colocado na frase anterior: “Sempre naquele pedaço do rio”. A boa utilização do espaço por Maria é vital para a dinâmica do espetáculo. Ela pode ficar apenas num lado do rio, mas essa margem é imensa. O espetáculo, entretanto mostra uma Maria muito presa. O fato de Maria ser uma mulher presa (internamente) não determina que o espetáculo também o seja; o fato de Maria ser passiva e lenta não determina o mesmo quanto ao espetáculo. A não ser, é claro, que houvesse uma opção de estilo neste sentido – o que, na realidade, não existe.