Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 17.08.1975
Margarida: a curiosidade
Nossa vida de adultos é repleta de medos. E a caracterização de tais medos fica muito clara quando se observa a necessidade (neurótica) do ser humano pela segurança – palavra que perde, dia a dia, seu significado positivo, passando a representar acomodamento, limitação, não-vir-a-ser. Esses medos são fixados na infância: antigamente, os grandes justiceiros eram Deus e o bicho papão; hoje, Deus ainda continua levando a fama injustamente por diversas atitudes repressoras, mas o bicho-papão perdeu sua cotação no mercado, sendo suplantado por entidades mais modernas. Na história da Margarida, a causa de todos os medos é a terrível Floresta Negra, lugar perigosíssimo, de onde segundo o consenso geral, quem vai não volta. Na peça Gasparzinho, o Fantasminha Camarada, as crianças desistem de correr mundo, porque isso é muito perigoso e resolvem voltar para a casa da vovó, que é muito mais segura. Felizmente, com a peça do Grupo Carreta acontece o contrário. Margarida, contra todas as opiniões, decide ver com seus próprios olhos o que é a Floresta Negra, já que todos têm medo dela, mas ninguém ainda foi lá ver como é.
Essa remontagem de A Margarida Curiosa Visita a Floresta Negra vem contribuir para enriquecer o bom panorama atual do teatro infantil carioca. Recebedora de quase todos os prêmios do VI Festival de teatro Infantil da Guanabara, do ano passado, (melhor musica, melhor texto, melhor direção e melhor cenografia), a montagem carrega muita forma visual, com base na beleza, variedade, humor e expressividade dos bonecos.
Durante toda a montagem fica bastante clara a preocupação do grupo carreta com um bom acabamento artesanal: cenários, bonecos, figurinos dos bonecos e dos atores, maquilagem, afinação do elenco quando canta – tudo isso estabelece um bom padrão de qualidade.
No início, antes do começo formal da peça, as crianças vão se integrando ao ambiente e aos personagens, conversando com os atores, batendo papo com os bonecos, aprendendo como se movimenta um fantoche, matando a curiosidade de saber o que há por detrás dos biombos. Isso faz com que as crianças mais tensas relaxem e se mostram mais predispostas para o envolvimento com Margarida e com seus engraçados e expressivos amigos-bichos.
A Margarida Curiosa Visita a Floresta Negra, em cartaz na Casa Grande, é um espetáculo de bom nível e que prescinde inteiramente de apelações já extremamente batidas como Vocês me ajudam a chamar? Ou As crianças prometeram que vão me ajudar a cantar. O elenco funciona com segurança e bom ritmo na manipulação dos bonecos; e, nos momentos em que atuam as vistas do público, os atores são simpáticos e comunicativos.