Bruno Sanches esbanja desembaraço como protagonista do espetáculo infantil que é apresentado somente nos fins de semana

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 20.11.2003

 

Barra

Mamãe, Como eu Nasci?: Peça em cartaz no SESC Tijuca mostra trabalho primoroso do diretor Antonio Carlos Bernardes

Novidade no palco: teatro e animação

Já desesperado com a falta de objetividade dos pais, um menino de 7 anos apela para a avó: “Como é que um bebê vai parar na barriga da mãe?”. Ao que ela responde: “Já ouviu falar em sexo?”. Por mais estranho que possa parecer, é ele mesmo, o sexo”, o assunto abordado no espetáculo infantil Mamãe, Como eu Nasci?, em cartaz no SESC Tijuca.

A peça, uma adaptação do livro do sexólogo Marcos Ribeiro, com direção de Antonio Carlos Bernardes e texto de Fátima Valença, responde de forma muito criativa e bem­ humorada à pergunta capciosa da qual os pais não conseguem escapar.

Peça é baseada em livro pedagógico

A história de Mamãe, Como eu Nasci? criada por Bernardes a partir do livro pedagógico homônimo e depois roteirizada por Fátima Valença, tem uma trama bem amarrada que explora a curiosidade de um menino de 7 anos a respeito da concepção dos bebês.

Primeiro, ele tenta descobrir a resposta num livro para crianças. Como todas as respostas lhe parecem muito ingênuas, o menino apela para os pais. Angustiados, os dois recorrem até à internet na tentativa de encontrar uma boa explicação – sem sucesso algum. A curiosidade do menino chega ao limite quando os pais comunicam que ele vai ganhar uma “irmãzinha”. Decidido a desvendar o mistério, ele procura a avó, que, finalmente, esclarece tudo.

Para contar essa história, Antonio Carlos Bernardes lança mão da técnica do desenho animado, que, junto com a música, torna-se imprescindível para a realização do espetáculo. Isso porque Mamãe, Como eu Nasci? não é uma peça com projeção de vídeo, como outras que estamos acostumados a ver.

É, na verdade, uma perfeita integração de duas linguagens específicas: a do teatro e a da animação.

Desde as primeiras cenas, o público entra em contato com o desenho animado projetado num telão no fundo do palco completamente vazio. E, em vários momentos, a cena “vaza” do palco para a tela e vice versa – como nas cenas em que o menino olha através da fechadura do quarto dos pais, projetado na tela, ou quando os papéis saem da impressora para o palco.

Em cena, o menino Bruno Sanches esbanja desembaraço, provocando a identificação dos meninos e alguns suspiros discretos das meninas, enquanto o ator Márcio Machado faz o público gargalhar tanto no papel do pai imaturo quanto no do excêntrico médico. Já Mayra Capovilla está perfeitamente integrada ao papel da mãe, mas talvez com um comportamento um pouco jovial demais para a avó, mesmo que ela seja do tipo modernosa.

Há uma corrida de espermatozoides

A equipe de criação do desenho animado merece um elogio à parte. Utilizando os recursos da computação gráfica, Rico Vilarouca e Renato Vilarouca deram vida às ilustrações de Bia Salgueiro para o livro de Marcos Ribeiro e criaram cenas impagáveis como a da corrida dos bem vestidos espermatozoides na disputa pelo óvulo, ou a do caprichoso comportamento do bebê que se recusa a mostrar o sexo durante a ultrassonografia.

Aliás, todas as aparições do bebê (dublado por Marcelo Capobiango) na barriga da mãe são divertidíssimas.

O figurino de Douglas Nogueira também está muito afinado com o humor do espetáculo, destacando-se na passagem em que pai e filho aparecem com pijamas idênticos. A luz de Djalma Amaral é eficiente e o mobiliário cênico, criado pejo próprio diretor, um achado no espetáculo – aqui vale um registro especial para o momento em que a família pega um engarrafamento a caminho do hospital. O desenrolar da cena faz as crianças da
plateia se mexerem na cadeira, gargalharem, enfim, vibrarem com o que está acontecendo no palco.

As músicas de Ubirajara Cabral, com ritmos variados como o samba (o “Samba do bebê” é uma delícia), o jazz e a MPB, botam o espetáculo para cima. E embora se saiba o quanto a música ao vivo encarece a produção de um espetáculo, não se pode deixar de dizer que a peça ganharia muito se os atores cantassem em cena, mesmo com a música gravada.

De qualquer forma, Mamãe, Como eu Nasci? é um trabalho primoroso. do diretor Antonio Carlos Bernardes, que enche de alegria os entusiastas do teatro infantil e, o mais importante, faz os olhos das crianças brilharem.