Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 13.05.1978

Barra

O Judas malhado

Quando termina o espetáculo A Malhação do Judas, de José Facury (autor e diretor), percebe-se que foram bons os propósitos que animaram essas pessoas a se reunir e montar uma peça para crianças. Imediatamente, porém, chega-se a outra conclusão: é incrível a disposição de certas pessoas em se lançar no escuro, assumindo um meio de expressão artística do qual nada conhecem.

Quando se discute o teatro amador no Brasil, por exemplo, já é ponto pacífico ser mais importante utilizar o teatro como meio de expressão para retratar a realidade do que realizar espetáculos tecnicamente perfeitos. É sabida a deficiência dos amadores que fazem teatro por todo o interior no que se refere a informações, bibliografia etc. As pessoas que fazem teatro nos Estados, principalmente fora das capitais, não assistem às peças marcantes da temporada Rio – São Paulo, não têm informações do que está acontecendo no mundo. Não há como se exigir deles um domínio da “expressão artística”. Entretanto, um grupo carioca, em contato direto com os acontecimentos teatrais, não pode se contentar em apresentar um espetáculo carregado de erros os mais elementares. Teatro Infantil não é uma brincadeira de pessoas bem intencionadas. É um trabalho profissional. Tanto é, que cobram ingresso. Deve ser feito com um mínimo de conhecimento de linguagem teatral. A Malhação do Judas traz um texto cujo interesse desaparece rapidamente quando se perceber o que vai acontecer: do “arrepender” ao “molhar os pés”, Judas passará por todos os personagens citados no início. O texto é tão arbitrário que, ao final, a observação de uma criança torna-se definitiva:

Crianças burras, né, mãe? Era só jogar água logo depois de cada vez que falavam “arrepender” sem querer. Era só deixar um balde perto.

Se as crianças da peça tivessem a perspicácia (ou melhor: um mínimo de raciocínio) deste pequeno espectador, a peça acabaria em dez minutos.

O espetáculo é todo muito chocho, sempre muito para baixo. O canto e as danças são momentos cenicamente pobres, sem qualquer imaginação. Os movimentos dos atores são confusos: nem servem para escolher a ação nem trazem força visual. O cenário demonstra o total desconhecimento de noções de profundidade e perspectiva. Os atores e o músico (este, coitado, preso num canto de palco e obrigado a tocar o tempo inteiro!) ficam perdidos nesta desorientação cênica.

De mais significativo, nisso tudo, foi o julgamento que a plateia fez dos personagens. As crianças libertaram o ladrão e prenderam o prefeito. Sem comentários.