Malasartes!: espetáculo exibe música executada com instrumentos típicos do interior brasileiro


Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 2004 

 

 

 

Barra

Malasartes – em cartaz no Teatro Gláucio Gill – é mais um trabalho que se aventura pelo difícil limiar entre teatro e contação de história, tentando encontrar uma nova forma de expressão.

Pedro Malasartes é um personagem que surge nas narrativas medievais de origem ibérica (Portugal e Espanha) com características picarescas – o herói que tira proveito das situações e com isso provoca, na maioria das vezes, uma crítica social. Assimilado pelos contadores de história disseminou-se pelo interior do Brasil e se tornou um personagem nacional. Adquiriu  fortes características  do “homem da roça” existente em todo nosso interior. Diferente do anti-herói, o pícaro é amoral, malandro, individualista.

As Histórias de Pedro Malasartes são as das mais recontadas e encenadas. Fazem parte deste espetáculo, dentre outras, a famosa “Sopa de Pedra” e “O Passarinho”.

Com o fortalecimento da atuação dos contadores de histórias e Augusto Pessoa, autor dos recontos, é um deles, as fábulas saíram de seu habitat de origem – as pequenas rodas – e subiram ao palco. Começa-se então a recorrer às diversas linguagens teatrais como suporte  do contar – e uma nova forma de expressão parece querer despontar. E como todo experimento com alguns acertos e muitos erros.

O espetáculo “bebe” na cultura popular. Inicia-se com um canto de chegança presente em grande número de festas populares. No palco os contadores e cantadores começam a desfiar suas histórias e cantigas.

As belas músicas de Augusto Pessoa e Rodrigo Lima, com direção musical deste último, são cantadas ao vivo e acompanhadas, também ao vivo, por instrumentos típicos do interior brasileiro – violão e sanfona (acordeom) marcados pela percussão. As músicas do espetáculo, tanto letras quanto melodias, são o ponto alto de Malasartes.

Depois deste começo aquecido pelo cancioneiro popular recriado, as histórias se sucedem, numa tentativa de integração com a linguagem teatral – mas isto não acontece.

O que temos são contadores, contando, sequencialmente, diversas histórias de Pedro Malasartes, que não têm tratamento dramatúrgico. É um espetáculo, mas não é um espetáculo teatral. Faltam a ele as premissas básicas do teatro. É um espetáculo de contação de histórias. E, Malasartes, não conseguindo equilibrar a linguagem teatral e a linguagem do contar, acaba por prejudicar a clareza e a força das histórias.

As diferenças entre uma linguagem e outra são muitas. O contador esboça, rascunha o personagem, com um gesto, uma “voz”, já o personagem, no teatro, tem uma sólida construção – é uma entidade viva com todas as suas características em cena.

Em Malasartes o elenco, com fraco desempenho, não se define nem como atores nem como contadores, o que faz de suas atuações, se vistas pelo ângulo do teatro, empobrecidas e se vistas pelo ângulo do contador, sem o domínio da palavra que encanta. Esta indefinição da direção, de Rubens Lima Jr., permeia todo o espetáculo e a partir daí temos uma contação de histórias pouco interessante e uma tentativa frágil de se fazer teatro.

Com o  espetáculo dividido entre as duas linguagens, os figurinos são pouco criativos para o teatro e excessivos para um contador, o mesmo ocorre com toda a proposta visual do espetáculo, assinada também por Augusto Pessoa.

Uma definição mais consistente se faz necessário; até mesmo na forma como é proposta a participação da plateia: o que ocorre é  provocação – que no caso do contador é válido, mas no teatro não é desejável. Malasartes é um espetáculo que fica no meio do caminho, embora as crianças reajam bem a algumas passagens das histórias – antológicas – tradicionalmente interessantes e que por isso mesmo resistem ao passar do tempo. cbtij-critica-carlos-augusto-nazareth-jornal-do-brasil-malasartes-2004