Quero Asno, no Teatro das Nações: encenação ágil e atores simpáticos e comunicativos

Crítica publicada no jornal Folha de São Paulo
Por Edelcio Mostaço – São Paulo – 29.11.1985

Barra

Casamento sem Broa de Milho

Com esta nova encenação, pela direção de Ednaldo Freire, Mais Quero Asno que me Carregue do que Cavalo que me Derrube, farsa de C. A. Soffredini inspirada na Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, parece definitivamente integrada ao repertório brasileiro.

Tendo por tema o casamento, ontem e hoje organizado em torno de certas conveniências, o texto atual e sua matriz recorrem a todos os recursos da farsa para pintarem personagens e situações cômico-dramáticas fundadas na crítica de costumes. A catarse cômica, que em sua origem parte de uma profunda violência recalcada, salta aqui através de elementos grosseiros, excessivos.

Levando para a periferia da metrópole a história da mocinha em idade de casar mas que nada faz para arranjar um noivo, aproveita para rechear este panorama social com os conteúdos mais óbvios da cultura de massa, onde a televisão ocupa função de destaque. Um expressivo painel da baixa sociedade envolvida na corrente casamenteira põe em cena personagens de grande comunicabilidade, abertos inteiramente à assimilação do público.

A encenação é ágil, limpa e procurou enfatizar os elementos simbolicamente expressivos, buscando todo o tempo um contato com a plateia. Para efetivar-se completamente necessitaria um elenco mais apto aos improvisos, já que constitui-se de atores simpáticos e comunicativos. Márcia Regina (Inês) e Cybele Troyano (Leonor/Carmen) possuem todos os dotes para arredondarem suas criações, bastante convincentes. Aldo Avilez e Luiz Ferrari deixam claro suas deficiências para o canto; Neide Calegari e Elizabete Benetti poderiam falar menos rápido e projetarem mais a voz, únicos senões. Enquanto Tereza Convá, Lúcia Smekol e Nilse silva desincumbem-se com graça e rendimento nos papéis de festeiras e coristas.

A boa banda que acompanha ao vivo as execuções musicais torna o espetáculo mais brilhante, sob a direção de Marcos Arthur. A cenografia e os figurinos de Tieko, ainda que globalmente aceitáveis, evidenciam um certo primarismo de confecção e execução, assim como a coreografia de Fernando Neves e Henrique Alberto.

Reciclando um original de 1523, Soffredini executou com verve e alto poder de síntese um clássico do teatro português, raiz distante, mas efetivamente reconhecível ainda hoje nas tradições farsescas do teatro brasileiro de várias épocas. Pouco depois ele fez uma adaptação do D. Quixote e, aproveitando a mesma paisagem suburbana deste Mais Quero Asno…, Mafalda. Seu último texto foi Na Carrera do Divino, onde o mundo caipira paulista foi trazido à tona de forma verdadeiramente poética. Neste itinerário criativo, onde se destacam ainda várias radionovelas, o percurso do autor está orientado definitivamente para a fixação do homem brasileiro em suas expressões mais simples, populares e descompromissadas como a broa de milho que oficializa o folclore (EM)

O crítico Edelcio Mostaço assistiu esta peça a convite da produção do espetáculo

Serviço

Mais Quero Asno que me Carregue do que Cavalo que me Derrube

Texto de C. A. Soffredini. Direção de Ednaldo Freire. Cenografia e Figurinos de Tieko. Com Márcia Regina, Cybele Troyano, Aldo Avilez. Teatro das Nações / Sala Dercy Gonçalves (av. São João, 1737, Centro, São Paulo, tel. 220.8012). De quarta a domingo às 21h15. Sábados às 20 e 22 horas e domingos às 21h15. Ingressos: Cr$ 30 mil.