Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 31.10.1981

Barra

À flor da pele

Nada mais atual, verdadeiro e até catártico para um espectador que mora na Tijuca, onde as obras do metrô destruíram a Praça Saens Peña, do que uma peça que trata exatamente deste tema. Quando o povo, na peça de Zé Zuca – A Mágica na Praça, em cartaz no SESC da Tijuca – sai em passeata, aos gritos de “Queremos a praça de volta” cria-se uma ponte imediata entre o palco e a plateia já que, durante anos (e mesmo agora, com a praça reurbanizada, os moradores lutam por uma área de lazer) foi esse o grito externo (nos mais expansivos) ou o grito interno (nos mais reprimidos) de praticamente toda a população do bairro. A peça de Zé Zuca, além de ter esse elemento de empatia indiscutível com a plateia, lança mão ainda de outros fatores de interesse; os personagens. É ótima a ideia do orelhão, do bar, da Motoca, do Fusquinha, do Antigo Lampião. Isso tudo traz, como proposta, a intenção de colocar o espectador mais velho num clima de nostalgia (relembrar as velhas praças), e o mais novo (as crianças) em contato com um mundo já distante da realidade delas, como o que inclui até realejos. Há, visivelmente, uma proposta de transar com a sensibilidade do espectador, de tocar num ponto romântico de cada um de nós e de mostrar a necessidade de os homens se unirem, para lutar pelas conquistas coletivas. Entretanto o que existe como proposta de texto e como clima lançado pelas músicas fica absolutamente prejudicado. O autor, na direção de seu próprio texto, não explorou devidamente as possibilidades poéticas existentes. Desta forma, o visual carrega um outro clima, clima mais indefinido, menos criativo, pouco envolvente. E, quando falo do visual, não me refiro apenas aos feios figurinos e à pobreza imaginativa dos cenários; falo também de toda a movimentação dos atores, da paupérrima coreografia. O elenco, entretanto parece fazer o espetáculo com prazer; está seguro. A Mágica na Praça desenrola-se rotineiramente, sem grandes problemas e sem grandes achados. Sua força maior não esta na exploração da linguagem teatral (expressividade das imagens, enriquecedora interpretação dos atores, jogo de ritmos e climas etc.). Sua força maior limita-se a ideia que sustenta a peça: a necessidade de que o povo compreenda que a praça é dele e se organize para lutar por isso. A peça toca num ponto sensível, neste momento da realidade nacional; as organizações comunitárias. É claro que as crianças devem ter o espírito comunitário estimulado. Mas são crianças, e querem “comer” uma peça teatral, não apenas pelos ouvidos, mas também pelos olhos, pelo coração, à sua flor da pele.