Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 20.10.1996
Raro espetáculo para público
Ludi na TV, texto do livro de Luciana Sandroni, adaptado para o palco pela autora, em colaboração com o Núcleo de Teatro para a Infância (os responsáveis pelo espetáculo), é uma dessas histórias para serem relidas de vez em quando. Usando todos os ingredientes que fazem parte do cotidiano do público a que se destina, sua versão para o palco não perdeu o tom intimista da obra literária, levando a cena uma peça com enredo bem-humorado, de princípio, meio e fim, sem muito espaço para outras possíveis interpretações. Fato raro no teatro para crianças hoje. História bem contada, público satisfeito.
O texto de Luciana é uma crítica à programação comercial da TV, sem o insuportável tom panfletário e ressentido que se costuma usar contra o veículo. Mais do que isso, é um agradável retorno às comédias familiares, na medida exata da contemporaneidade.
Ludi, uma espectadora obsessiva dos programas de TV, entra em desespero, quando, no sábado de manhã, a televisão para de funcionar. O jeito é convencer a família a comprar uma nova, com controle remoto de muitas funções. Na segunda-feira, o técnico conserta a TV, mas Ludi quer uma nova. Tentando desfazer o conserto, Ludi acaba dentro da televisão e, melhor ainda, é agora parte da programação. Na Cozinha Sofisticada de Dulcide Leite, estraga a receita de rã au gratin, marca um tento para o Flamengo em Pagode e Futebol, resume uma novela mexicana de 700 capítulos em cinco minutos, e, na sua volta para casa, traz junto a Vanessinha da novela das 7.
Na direção, Dudu Sandroni, privilegia o trabalho do ator sem perder o senso do espetáculo. Ambientando a Sala 13 do Centro Cultural Banco do Brasil numa sala de família classe média, onde a TV é o centro das atenções, Sandroni junta palco e plateia num ambiente aconchegante, mas não participativo. A linha do teatro está bem demarcada. Esse é o grande trunfo.
O elenco, excelente em suas performances na totalidade, se destaca em alguns dos muitos personagens que os atores interpretam. Marcos Ácher, entre outros papéis, diverte o público com sua Dulcide Leite na Cozinha Sofisticada. Também de rara inspiração é sua dublagem para todos os personagens na novela mexicana. Isa Vianna, além de interpretar sem nenhum tom caricato a empregada Marga, se divide em divertidos papéis como Socorro de Andrada, a mexicana da novela, e Helô Popa, uma apresentadora de talk show. Vanessa Ballalai é Dona Sandra, mãe de Ludi, mas também é Keka, a Garota Rio, e Vanessinha, da novela das 7, marcando bem a diferença entre os personagens. Maurício Grecco, pai de Ludi, apresentador de Pagode e Futebol e galã das 7, interpreta seus personagens com particular humor. Na cena final, quando todos os personagens se apresentam simultaneamente, em rápida troca de roupa, o elenco afiado confunde o espectador que tenta identificar quem é quem.
Carmem Frenzel, em sua melhor forma, é Ludi, em papel único, mas cheio de nuanças. A atriz, que sempre ultrapassa o limite dos personagens que lhes são entregues, tem Ludi um presente para sua interpretação.
Os cenários de Lídia Kosovsky transformam literalmente a Sala 13 num único ambiente, onde palco e plateia convivem harmonicamente. Além dos bem montados adereços cênicos, que se nos transformam mais variados sets dos programas, Lídia também é responsável pelo revestimento que dá unidade à sala e pela plateia de sofás e almofadas que coloca o público na encenação. Os figurinos, de Ney Madeira, têm linha casual sem teatralidade excessiva e bem adequada à proposta do espetáculo. A luz de Djalma Amaral segue o mesmo caminho, não se sobrepondo à encenação, mas criando bons efeitos na maneira de brincar com a TV Ludi na TV é teatro da melhor qualidade, com história atraente e com elenco e direção em sintonia. Seu melhor ingrediente, no entanto, é algo muito simples, mas um pouco fora de uso. O espetáculo é feito para o público.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)