A dramaturga e pesquisadora Luciana Comin (*), – do TECA Teatro e Outras Artes, de Salvador/BA – conversa com Cleiton Echeveste (**) sobre o Podcast Dramaturgia Jovem.
Cleiton: O que é o núcleo de dramaturgia jovem do TECA? Nos fale também sobre a equipe envolvida na criação e produção do podcast.
Luciana: O núcleo de dramaturgia jovem do Teca nasceu oficialmente em 2019. Digo oficialmente porque o Grupo Teca já realizava processos colaborativos de escrita desde 2012, com a versão 1 do texto “Atualmente Indefinido”, criado pelo primeiro grupo de adolescentes que formamos em nosso espaço. E esta primeira montagem foi para nós o vislumbre de um caminho bastante promissor: Construções narrativas com a colaboração de jovens na criação de seus próprios personagens, de cenas construídas em sala de ensaio, na forte discussão sobre enredo, relações entre personagens e nas temáticas que eles escolhiam abordar. Esse processo fazia com que eles se apropriassem cada vez mais da peça ao mesmo tempo que nos revelava um universo de criação muito rico. Para mim, nova dramaturga na época, foram processos enriquecedores que me alimentavam artisticamente, já que meu desejo sempre foi escrever para esse público. Em 2019 eu lancei então a proposta de encontros semanais para a pesquisa e criação dramatúrgica. Alguns jovens participaram dessas reuniões, dentre eles, Caio e Mano, que estão conosco desde a primeira montagem de Atualmente Indefinido (Mano entrou para o grupo aos 9 anos e Caio aos 12). Ao longo desse ano, produzimos cenas e exercícios dramatúrgicos semanalmente. Com a pandemia em 2020, nós aproveitamos para ampliar nosso trabalho e eu, Caio e Mano passamos a nos encontrar diariamente via zoom. Com esse convívio surgiu a ideia de uma série para TV, desenvolvida ao longo de 2020 e mais tantos outros projetos, dentre eles o nosso podcast, que logo foi acolhido por Marconi Arap, que hoje faz a edição dos nossos episódios e Beto Mezzotino que faz a técnica do podcast. Posteriormente, Luciano Bahia e Pedro Comin entraram para a equipe, um com a criação das trilhas e edição e outro com a divulgação e gerenciamento de redes sociais.
Cleiton: Quais foram as motivações principais para criação de um podcast sobre dramaturgia jovem?
Luciana: A motivação surgiu justamente desse convívio diário a partir de 2020, que nos rendeu horas de discussões técnicas, teóricas, leituras de textos e análises fílmicas, onde pudemos nos debruçar sobre assuntos que nos motivavam, trocar referências e experiências estéticas, além de nos permitirmos discorrer livremente sobre o que nos inspirava artisticamente. Esse convívio gerou uma cumplicidade e intimidade que só um processo como esse pode proporcionar. Num dado momento, sentimos que nossas conversas sobre processos de criação poderiam interessar a outras pessoas e que poderíamos organizar a grande quantidade de material levantado por nós para compartilhar com outros artistas ou estudantes.
Cleiton: Além da perspectiva de uma espécie de mapeamento da produção dramatúrgica de/para público jovem e, principalmente, de difusão dessa dramaturgia, o podcast cumpre também uma função pedagógica muito relevante. Nesse sentido, quais são os procedimentos adotados? No plano pedagógico, como essa ação se articula com os demais projetos do TECA?
Luciana: No trabalho do Grupo Teca, em todas as suas atividades, teoria e prática caminham lado a lado. Faz parte da natureza do grupo, somos artistas pesquisadores, ou seja, toda prática artística começa com uma pilha de livros e referências na sala de ensaio.
Há também uma prática que vem se repetindo e se tornando parte do nosso método de trabalho: Nas últimas peças que montamos, nosso elenco era composto por atores e atrizes com muita e pouca experiência. Constatamos a riqueza que pode surgir da troca entre o artista menos experiente, mas cheio de frescor e vigor e o artista mais experiente e disposto a compartilhar seu conhecimento. Todo mundo ganha.
No podcast essas práticas também foram utilizadas. Temos uma pesquisadora mais experiente que divide espaço com dois jovens e talentosos autores.
Nossa experiência na pesquisa nos obriga a introduzir os temas sempre com uma base teórica, sermos cuidadosos com as fontes, citar sempre a bibliografia, e facilitar o acesso das pessoas às fontes mencionadas. Mas tudo isso com a preocupação em não fazer os episódios ficarem engessados, com cara de aula. A gente sempre quis um bate papo informal, mas com responsabilidade.
Além disso, logo que iniciamos a produção do podcast, divulgamos amplamente um cadastro para reunir pessoas que se interessam pela escrita para o público jovem em nossas redes. Recebemos uma boa quantidade de cadastros preenchidos de todas as regiões do país e notamos que a maioria era de pessoas que estavam iniciando na escrita e gostariam de aprender mais sobre a técnica. Esse dado nos fez alterar um pouco o roteiro dos episódios e nos preocupamos em trazer informações básicas sobre a escrita e o processo de criação, oferecer dicas e exercícios de escrita, introduzir alguns assuntos com mais cuidado, pensando naqueles que poderiam estar ouvindo sobre aquilo pela primeira vez.
Cleiton: Nós sabemos da dificuldade pra difusão de dramaturgia pra público infantil e jovem, particularmente no nosso país, por conta de um projeto político que desvincula arte e educação, da falta de políticas públicas de Estado para a cultura, entre outros motivos. Diante desse desafio, por quais meios os textos têm chegado para o projeto? Quais foram as parcerias que têm viabilizado essa ação?
Luciana: Seria muito difícil acessar e conhecer muitos textos incríveis que nos chegaram sem uma rede de apoio formada exclusivamente por artistas e grupos desejosos de compartilhamentos e parcerias que visam um fortalecimento desse setor. Como você bem disse, estamos há tempos carentes de políticas públicas e reféns de um projeto político cada vez mais desestruturante. Nós fazemos parte de uma parcela de artistas que compreenderam que só através de redes de apoio conseguimos superar os desafios que nos chegam diariamente nesse país. Nesse sentido, o vínculo com o CBTIJ e seus núcleos regionais, e, através do CBTIJ, o contato com dramaturgos associados à ASSITEJ e à Dramática Iberoamericana, nos permitiu ter acesso a trabalhos relevantes e ampliar quantitativa e qualitativamente nosso banco de textos.
Cleiton: Sem querer resumir em poucas linhas todas as reflexões que o projeto pode gerar, quais você diria que são os principais pontos fortes da dramaturgia escrita por/para jovens atualmente? E quais são principais pontos a serem aprofundados/desenvolvidos?
Luciana: Primeiro eu diria que precisamos de novos autores. A produção dramatúrgica para a juventude ainda é menor em comparação à dramaturgia para crianças e adultos. Estou falando, claro, de textos para a cena, pois na literatura e no audiovisual a produção para esse público está bem aquecida. Um dos objetivos desse podcast, inclusive, é encontrar novos autores e dialogar com eles, além de estimular pessoas em sua primeira experiência com a escrita. Nos textos que nos chegaram até o momento, notamos que há uma preocupação em ampliar as temáticas que geralmente são escolhidas em peças para adolescentes, mas acho que esse movimento ainda pode ser maior, porque muitas das peças lidas por nós ainda tem uma construção um tanto didática ou moralista na maneira como abordam sexo, sexualidade, uso de drogas, por exemplo.
Outra questão é com relação à estrutura da peça. Há poucas experimentações, textos mais ousados do ponto de vista da estrutura, como por exemplo escritas fragmentadas ou não lineares. De uma forma geral, diria que há avanços no que diz respeito ao conteúdo, ou seja, autores que escolhem abordar temas mais instigantes e de interesse do público jovem. Mas em relação à forma, precisamos ousar mais.
Cleiton: Após o final da primeira temporada, podemos esperar uma segunda? Quando ela deve acontecer? Se alguém que nos lê quiser colaborar/participar, como deve proceder?
Luciana: Então sim, sempre pensamos na possibilidade de segunda, terceira e mais temporadas, porque sempre há algo novo a ser dito, novas obras incríveis que merecem discussão e novos autores que podem surgir e merecer espaço. Já estamos nos organizando para entrar novamente com um projeto em editais públicos – Essa primeira temporada foi financiada pelo Prêmio Riachão de Incentivo à Cultura através da Lei Aldir Blanc e lançado pela Fundação Gregório de Matos (Salvador-BA) – mas estamos também buscando parceiros no setor privado. Ou mesmo pessoas físicas que se interessem em contribuir de alguma forma para a continuidade do nosso podcast. Quem se interessar por esta colaboração, pode nos procurar através das redes sociais do Teca (@tecateatroeoutrasartes) ou no e-mail podcastdramaturgiajovem@gmail.com
Ah! Se quem estiver lendo esse bate papo também se interessar em receber textos de apoio ou alguns dos textos dramatúrgicos que discutimos nos episódios pode se cadastrar através das nossas redes ou mandar uma mensagem para esse mesmo e-mail. Se você é um jovem autor e quer mandar seu material nos escreva também! Ficaremos muito felizes em ampliar cada vez mais a nossa rede.
Cleiton: E pra encerrarmos, fale um pouco sobre a programação do podcast e onde escutá-lo.
Luciana: Em breve também estará disponível no Spotify. O lançamento dos episódios é semanal, todo domingo um episódio novo. Eu, Caio e Mano conversamos sobre processos criativos, inspirações, elementos da escrita, temas tabus ou gatilhos, dramaturgia de games e outas plataformas, dentre outros temas, com muitas referências a textos, leituras de cenas, bom humor e descontração. Estão todos convidados para um bate papo informal, mas nem por isso superficial, de amigos que amam a ficção e a escrita e estão muito a fim de ampliar essa conversa!
(*) Luciana Comin
Dramaturga, roteirista, professora e atriz. Formada em interpretação teatral pela Escola de Teatro da UFBA, participou de mais de vinte espetáculos como atriz, com prêmios e indicações concedidas pelo Prêmio Braskem de Teatro. Autora de diversas peças teatrais encenadas na cidade de Salvador. Mestre em Artes Cênicas, com pesquisa na área de audiovisual e transmídia. Doutora em Artes Cênicas na área de dramaturgias voltadas para o público infanto-juvenil. Participante do Grupo de Pesquisa Dramatis Dramaturgia: mídias, teoria, crítica e criação (PPGAC-UFBA) e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processos de Criação no Teatro para a Infância e Juventude (PPGAC/UNIRIO). Dirige e é professora do Grupo TECA TEATRO, onde, há 18 anos, desenvolve sua pesquisa em arte com crianças e para crianças. Atual representante regional do CBTIJ em Salvador.
(**) Cleiton Echeveste
Ator, diretor, dramaturgo e pesquisador, mestrando pelo PPGAC/UNIRIO. Graduado em Artes Cênicas (DAD/UFRGS). Participa do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processos de Criação no Teatro para a Infância e Juventude. É um dos criadores e gestores da Pandorga Cia. de Teatro, do Rio de Janeiro. Integra o Centro Brasileiro da Associação Internacional de Teatro para a Infância e Juventude (CBTIJ/ASSITEJ Brasil), no qual atualmente é presidente do Conselho de Administração.