Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi, -Rio de Janeiro – 12.02.1977
Lúcia Elétrica e o Brigitte Blair
Desta vez estão abertos os caminhos (geralmente fechados) que levam ao Teatro Brigitte Blair. Vocês podem pegar seus filhos e levá-los, sem qualquer temor, para assistir a Lúcia Elétrica de Oliveira – uma montagem séria, alegre e que não está disposta a defender uma educação caduca; uma montagem que destoa completamente do que vem sendo apresentado ali nos últimos anos; e que , como brinde, ainda nos presenteia com o trabalho inteligentemente crítico e comunicativo de Ângela Vasconcellos (Mãe).
O texto de Cláudia de Castro é bem interessante, ao propor vacinas contra a criancice e contra a curiosidade da criança; ao misturar anjo e diabo; ao criar um anjo sequestrador. Por outro lado, o texto pode se tornar perigoso (por uma assimilação ao pé da letra, sem a perspectiva crítica que a autora propõe) quando fala em não ir à escola e cair de árvores. A trama ainda se ressente de uma melhor estruturação e por isso o espetáculo capenga um pouco (deficiência que deveria ter sido sanada pela direção). Cláudia de Castro, entretanto, soube criar personagens interessantes que deveriam ser tão explorados na encenação como o foi a Mãe, de Ângela Vasconcellos.
O que chama mais a atenção é que Lúcia Elétrica de Oliveira, espetáculo correto e bem cuidado de Pedro Paulo Rangel, deveria carregar um pouco mais de voltagem, possibilitando maior quantidade e maior potência dos choques. A encenação tem, como pontos de apoio básicos, um elenco firme, uma preocupação de limpeza e um texto um tanto original que foge dos padrões de fechamento e de (falsa) segurança que costumam vicejar, no Teatro Brigitte Blair. Entretanto, as falas finais da peça que fecham, para as crianças, as ideias essenciais do espetáculo, ficam um tanto diluídas na medida em que são apresentadas dentro de uma música; as crianças passam a se ligar mais ao embalo e dar muito pouca importância à letra. O tom obtido na música final e o estilo de representação imposto pela Mãe e pela Vó, se fossem assumidos na maior parte do espetáculo e por todo o elenco, transformariam a encenação em algo bem mais dinâmico, vivo e comunicativo. Não é que, faltem essas qualidades ao espetáculo; mas elas existem num nível menor do que se poderia desejar. As ideais de soltura ficam apenas esboçadas, apareçam tímidas (como as boas figuras do dentista e do jornalista, por exemplo). O cenário de Fernando Reski obtém um bom dinamismo com o uso das cortinas, apesar de utilizar elementos feios e óbvios como a nuvem. São muito curiosas a avó com seu canto a heroína que dá choques e o cachorro que mia. O mais importante, porém, é o fecho, quando o texto estimula as pessoas a ficarem atentas aos acontecimentos, motivando-as a uma consciência crítica da realidade através das reações rotineiras do cotidiano, sendo o sujeito dos fatos ao invés de apenas reagir a eles: “não precise de um choque para chamar sua atenção / não espere um anjo mal ficar bom”.
A ressaltar ainda a mudança na linha de programação do Teatro Brigitte Blair. Na realidade gostaríamos de presenciar, nos seus três horários ocorridos, três peças com a qualidade de Lúcia Elétrica de Oliveira. Uma já é um passo grande; mas é ainda muito pouco.