Texto e Pesquisa de Antonio Carlos Bernardes, com a colaboração de Rosa Magalhães
A Origem Italiana
O avô de Lucia Benedetti saiu de sua terra natal, Colbordolo, uma pequena aldeia localizada no norte da Itália, aproximadamente com vinte anos.
Possivelmente desceu até Nápoles, onde encontrou e casou com uma italiana de Sapri, uma praia próxima de Nápoles. Na época ele negociava com sal e tabaco, o que lhe dava certo status. Não se sabe por que, e nem
como, mas vendeu a licença e com a mulher e os filhos acabou indo para a Argentina e de lá veio para o Brasil.
O que se tem certeza é que eles não vieram, como muitos italianos, num dos navios de emigração, comuns naqueles tempos. O único filho que nasceu no Brasil foi Domingos, o pai de Lucia, que nasceu em Limeira, interior de São Paulo.
Nasce Lucia em Mococa
Mas foi em Mococa que a família se estabilizou. Foi lá que conheceu e se casou com Leocádia Mathias, onde em 30 de março de 1914 nasceu Lucia Benedetti. Anos depois, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, estabelecendo-se em Niterói, onde o pai de Lucia trabalhou inicialmente como porteiro de um estaleiro.
Lucia cresceu em um ambiente familiar simples, mas austero. Formou-se em Ciências e Letras no Ginásio Bittencourt Silva, onde acabou lecionando por três anos. Desde estudante, escrevia crônicas, contos e reportagens imaginárias para o jornalzinho do colégio.
A mais Bela Carta de Amor
Um dia, descobre o concurso “A mais bela carta de amor para Ramon Novarro” e resolveu participar, pois o prêmio era uma pulseira de brilhante. Ramon Novarro, famoso ator de cinema, seria o Brad Pitt da época. O ator vinha ao Brasil e esse concurso elaborado pelo Jornal A Noite era uma forma de divulgação para o lançamento de seu último filme.
Os editores do jornal, acharam que as fãs do ator não eram capazes de escrever algo significativo e que ninguém ganharia. Então, R. Magalhães Jr., jornalista de A Noite, resolveu escrever a carta vencedora e escolheu uma moça muito bonita para ser a “autora”. O júri que deveria escolher a carta não fazia a menor ideia de que isso estava acontecendo e acabou dando o prêmio de primeiro lugar para a carta do Magalhães Jr. A carta de Lucia Benedetti, ficou em segundo lugar. Magalhães Jr., quando leu a carta da segunda classificada, se arrependeu e escreveu um artigo no jornal dizendo que se ele fosse do júri, quem deveria ter ganhado era Lucia Benedetti e publicou junto ao artigo, a carta dela.
Quando o pai de Lucia tomou conhecimento, foi com ela até a redação do Jornal A Noite para conseguir uma edição com a carta publicada. Lá conheceram o jornalista, que se encantou por Lucia e perguntou se ela não teria outros textos prontos. Lucia disse que escrevia contos e se prontificou em enviá-los pelo correio. Magalhães Jr. fez as devidas correções aos textos e foi devolvê-los pessoalmente. Em 1936, Lucia e Magalhães se casam, mas por não terem condições financeiras foram morar numa pensão.
Tempos Difíceis
Por atuar em política e ser contra o governo do Getúlio Vargas, este mandou prender Magalhães Jr. e o casal teve que fugir do país, indo morar nos Estados Unidos. Em Nova York, Lucia Benedetti estudou na Universidade de Columbia e conseguiu um trabalho. Era locutora na estação rádio que transmitia A Voz da América, juntamente com Luis Jatobá. Magalhães Jr. arranjou um emprego na Metro como tradutor dos filmes, escrevendo legendas em português. Nessa época as legendas vinham prontas dos Estados Unidos. Ele ainda trabalhou como Assessor para Assuntos da América Latina, com o Rockfeller. O casal ficou nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e após uma solicitação do Serviço de Imigração Americano para que eles se naturalizassem americanos, resolveram voltar para o Brasil.
A Volta para o Brasil
Voltam para o Brasil e Magalhães Jr, se envolve novamente em política. É fundador do Partido Socialista, é eleito vereador e cria várias leis em prol do teatro. Magalhães Jr. também por vários faz parte da diretoria da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, sendo presidente em algumas gestões.
De personalidade atuante, Lucia Benedetti começa a trabalhar em jornais e revistas do Rio de Janeiro. Escreve para Noite Ilustrada, Última Hora, Vamos Ler, Jornal do Commercio. Escreve para diversos gêneros literários (romance, contos, peças teatrais), tendo sido também tradutora de textos teatrais de língua inglesa.
Em janeiro de 1947, o casal tem a única filha, Rosa Magalhães.
O Casaco Encantado
Lucia Benedetti, já tinha tido seu primeiro contato com crianças em seu livro Chico Vira Bicho e Outras Histórias, revelando-se excelente escritora no gênero,
Na segunda metade da década de 40 vem ao Brasil, uma companhia austríaca trazendo uma novidade: teatro para crianças, feito por atores profissionais. Apresentam-se no Teatro Carlos Gomes em números de pantomima, que fazem a alegria da criançada.
Francisco Pete, talvez empolgado pelo sucesso dessa companhia austríaca e há tempos longe do movimento teatral, quis montar uma Companhia para o público infantil e convidou Lucia para escrever um texto. Ela então se debruça sobre uma história de alfaiates, que enfeitiçados por uma bruxa, fazem um casaco mágico para o rei.
Por razões não conhecidas o projeto de Pete não conseguiu ir adiante, mas Lucia finaliza o texto de O Casaco Encantado. Ela lê o texto para alguns amigos, mas os três atos parecem fadados a não seguir adiante, até que telefona para Paschoal Carlos Magno e marcam um encontro na ABI.
O que fazer com aquele texto? Foi Paschoal, depois de ler e muito gostar do texto, que teve a ideia de levá-lo aos Artistas Unidos, uma Companhia de Teatro muito famosa na época dirigida por Henriette Morineau. Não precisou mais que uma leitura, para que ela decidisse pela montagem e também fazer a personagem da Bruxa.
A equipe começa a ser montada. Graça Mello, que dirigiu Hamlet que a Companhia encenava no Teatro Ginástico, acolheu prontamente a ideia. Nilson Penna, um jovem ator, que havia chegado há pouco tempo do Pará e que fazia uma ponta em Hamlet, tinha deixado Henriette encantado com seus desenhos e foi convocado para fazer os figurinos e o cenário.
Segundo Paschoal Carlos Magno: “O Casaco Encantado apaixonou a equipe do Ginástico e cada ensaio era uma festa para os intérpretes”.
Foram convocados ainda para trabalhar como atores no espetáculo, A. Fregolente (alfaiate / sapo), Dary Reis (alfaiate / príncipe), Jacy Campos (rei), Flora May (princesa), Dona Maria Castro (avozinha), Graça Melo (feiticeiro), Nilson Penna (relógio), Orlando Guy (manequim) e Niete Junqueira (pajem). Algumas cenas eram acompanhadas pela musica do maestro Renzo Mazzarani.
A “avant-première” de O Casaco Encantado, por ordem de Henriette Morineau reverteu em fundos para o Teatro do Polichinelo, instituição de crianças da União das Operárias de Jesus e aconteceu no dia 16 de outubro de 1948, à noite, A estreia para o grande público ocorreu em duas matinés do dia 19.
Lucia Continua Escrevendo Outros Textos
Foi um marco na história do teatro profissional feito para crianças. Até então as crianças iam ao teatro com os pais em peças para adultos. O espaço destinado nos jornais para o lançamento, para matérias jornalísticas e críticas foi impressionante. O espetáculo ficou muito tempo em cartaz, inclusive viajando com a Companhia para outros estados. Lucia em sua trajetória de autora de peças para crianças escreveu mais de uma dezena de peças.
Pioneira do teatro para crianças no Brasil, sua primeira peça, O Casaco Encantado, escrita em 1947, foi sucesso impressionante, permanecendo por muito tempo em cartaz. Lúcia começa então a escrever outas peças. Em 1950, estreia segunda peça, Simbita e o Dragão, que também estreia no Teatro Ginástico, tendo no papel de Simbita, Sérgio Cardoso e como Pirata, Sérgio Brito. Em seguida vem uma adaptação de Branca de Neve, dirigida por Ester Leão e tendo nos papeis principais Nicete Bruno e Jardel Filho.
Além de seus textos para crianças, Lucia desenvolvia outros inúmeros trabalhos. No Jornal A Cigarra, publicou romances em capítulos. Escreveu Três Soldados, romance baseado no diário de um pracinha, que depois foi editado pela EBAL como revista em quadrinhos.
Também foi produtora da Rádio MEC, do Ministério da Educação e Cultura e trabalhou no SNT – Serviço Nacional de Teatro. Foi do júri na categoria infantil, do Prêmio Mambembe e deu aulas sobre teatro infantil no Conservatório de Teatro, hoje UNIRIO.
Um de seus últimos trabalhos como escritora foi um artigo para O Globo Rural, no final da década 1990.
As peças de Lucia Magalhães foram posteriormente publicadas pelo jornal O Cruzeiro e recentemente duas (O Casaco Encantado e Simbita e o Dragão) foram publicadas pela Editora Record. Uma grande parte de seus livros foi traduzida para o inglês, francês, espanhol e italiano.
Prêmios e Homenagens
Entre os vários prêmios que recebeu, destacam-se o Prêmio Afonso Arinos/ABL, 1950; Prêmio Teatro Infantil/Prefeitura do Distrito Federal, 1954.
Lucia Benedetti faleceu no Rio de Janeiro em 1998, quando seu espetáculo O Casaco Encantado completava 50 anos de encenação. Naquele ano, o CBTIJ, a homenageou, com um cartaz criado por Elifas Andratto e um cartão telefônico.
Em 2008, ao completar 60 Anos de Teatro para Crianças no Brasil, o CBTIJ convidou Rosa Magalhães, artista plástica, cenógrafa, figurinista e carnavalesca, sua filha para criar o cartaz comemorativo.
1948/9 – O Casaco Encantado, direção Graça Mello, Teatro Ginástico, Teatro Carlos Gomes
1949 – Simbita e o Dragão, direção Ruggero Jacobbi, Teatro Ginástico
1950 – A Menina das Nuvens, direção Esther Leão, Teatro Fenix
1950 – Branca de Neve (Setembro), direção Ester Leão, Teatro Copacabana
1950 – Branca de Neve (Dezembro), direção Ester Leão, Teatro Municipal
1951 – O Casaco Encantado, direção Jacy Campos
1952 – Josefina e o Ladrão, direção Graça Melo, Teatro Copacabana
1953 – Joãozinho Anda pra Trás, direção não identificada, Teatro do Estudante
1964 – Palhacinho Pimpão, Teatro de Bolso
1976 – Joãozinho Anda pra Trás, direção não identificada, Teatro da Galeria
1991 – O Casaco Encantado, direção Cacá Mourthé, Teatro da Cidade
1997 – O Casaco Encantado, direção Ivone Hoffman, Casa de Cultura Laura Alvim
1954 – O Banquete, peça em um alto, direção Jacy Campos, Teatro Ginástico
Entrada de Serviço, romance adulto
Chico Vira Bicho e Outras Histórias, romance infantil, Editora Globo.
Entrada de Serviço Noturno sem Leito
Vesperal com Chuva
Publicou também crônicas na Revista O Cruzeiro e no Jornal A Noite.
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