No espetáculo a Loja das Maravilhas Naturais, a criatividade se restringe ao visual

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Susskind, Rio de Janeiro, 07.11.1980

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Maravilhas Apenas nos Figurinos

É quase impossível assistir A Loja das Maravilhas Naturais, espetáculo em temporada no Teatro Vanucci, sem que as constantes e irônicas transformações dos figurinos e cenários lembrem de imediato as ilustrações de John Tenniel para Alice no País das Maravilhas. Ou a maneira como talvez se pudesse transportar tais ilustrações para uma linguagem teatral. Impossível, por outro lado, deixar de lamentar que a criatividade dos cenários, adereços e figurinos de Sérgio Silveira e Lídia Kosovski estejam a serviço de texto tão fraco. É como se duas linguagens entrassem em choque. De um lado, a banalidade do texto; de outro, a sedução sobretudo dos figurinos, e a criatividade da encenação, a cargo de Buza Ferraz. Como se o texto e sua encenação, ao invés de inter-relacionados, estivessem marcados por uma estranha separação. Estranha fundamentalmente porque, como o texto pouco interesse traz à cena, o espetáculo parece estar colocando toda sua criatividade a serviço de coisa nenhuma.

Se A Loja das Maravilhas Naturais não chega a se colocar como exceção no panorama atualmente bem fraco da dramaturgia para crianças, chama a atenção, também, para outra e mais agradável característica do teatro infantil carioca nos últimos anos: a tentativa de se superar plasticamente a falta de criatividade dos textos.

O que se aponta para um triste panorama dramatúrgico, tem proporcionado o desenvolvimento de uma linguagem cênica que procura brincar com a fantasia e o imaginário infantis, seja através de bonecos e jogos de luz; seja, como em A Loja das Maravilhas Naturais, com as constantes transformações nos trajes e elementos do cenário. E é nesse jogo com a magia dos cenários e figurinos que se criam alguns dos melhores momentos do espetáculo. Um enorme aspirador que, à maneira de um útero, é colocado pela Senhora dos Tempos entre as pernas, serve para sugar personagens da plateia para o palco. Mademoiselle Outono surge caracterizada como uma figura nostálgica que só fala em Paris e de cuja sombrinha caem montes de “folhas mortas”. Em determinada altura da peça, Adorada Próxima se irrita com a loja e a manda desaparecer. Ao que obedece, todo o cenário começa a rolar e sumir. Só esses três momentos possivelmente valeriam uma ida à peça. Sobretudo como exemplos do muito que uma encenação pode tirar de um texto pautado unicamente no desejo de três árvores de levarem “a primavera para o Piauí”.

Desejo que, segundo Benjamin Santos, o autor, se misturaria à tentativa de “reencontrar a linguagem simples das histórias contadas oralmente e o vocabulário lugar comum e singelo dos nossos autos pastoris, coisas como “lindas campinas”, “botões de flor”, “belas pastagens”, “verdes ramagens”, e convites do tipo: “cantemos e bailemos”. Tentativa interessante que, no entanto, se perde num texto sem qualquer ação dramática capaz de seduzir uma plateia infantil; e cujo principal atrativo vai estar na linguagem talvez “menos singela”, mas bem mais criativa dos cenários e figurinos de Lídia Kosovski e Sérgio Silveira.