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Ao se pensar sobre a especificidade da linguagem cênica no imprescindível que se reporte a questões anteriores e básicas, que dizem respeito ao conceito de criança, à produção dos bens culturais a ela direcionados, e principalmente, ao valor do teatro em suas vidas.

Quando se tenta responder tais questionamentos fica patente a escassez de suporte teórico. Principalmente porque a produção cultural dirigida à criança vem sendo praticada sem os cuidados necessários, e depois porque o preconceito de que estes bens culturais não garantem o mesmo status que se confere aos dirigidos ao público adulto. Mais que isto, constata-se que o conteúdo daqueles produtos culturais estão estritamente vinculados a uma visão onde prevalece a consideração da criança como um consumidor em potencial. Isto quer dizer em uma sociedade regida por interesses capitalistas, um consumidor “frágil e inocente” significa “lucro fácil”. Acrescente-se aí, a convivência da família e da escola que na maioria das vezes aceitam este jogo de conveniência, sem ter condições de colaborar para uma transformação favorável.

Tal contexto gera uma defasagem entre a qualidade do produto cultural destinado para crianças e a qualidade destes mesmos produtos. No que diz respeito ao teatro para crianças não acontece de se recorrer a fatos históricos e igualmente à análise ética e psicopedagógicas, para que se entenda porque na maioria das vezes, vê-se no palco, espetáculos que não revelam preocupação com a pesquisa de uma linguagem que, como se pode constatar, possui peculiaridades. Cumpre ressaltar ainda que é notório um contexto que muitas vezes se distancia das funções essências do teatro que, independente de gêneros ou públicos específicos, sempre apontaram para o desencadeamento na plateia de atitudes mentais propícias à reflexão, à crítica e sobretudo à criação. Deve-se salientar que o teatro de alguma forma evoca uma participação não conformista na sociedade, e em especial, a compreensão dos aspectos espirituais e sensíveis do ser humano.

O estudo da linguagem cênica no teatro para crianças, abre a possibilidade de esclarecimentos, idealizações numa esfera pouco percorrida. Sabe-se da carência de registros e também da falta de tempo e disciplina, que impede os autores e atores de teatro infantil de elaborar mais adequadamente seus trabalhos, e igualmente de realizar avaliações e traçar metas precisas para a evolução e aprimoramento das linguagens às quais se propõem.

A escrita compromete e registra. O que importa que se registrem as experiências de teatro para crianças. A falta tem sido dos autores, diretores e atores. Porém, se os próprios artistas não incluírem na sua prática a documentação e os registros, fica difícil ou até impossível, para os teóricos da arte ou de educação fazê-lo.

É importante estimular a prática cotidiana de estudo, pesquisa e reflexão, que farão do teatro para criança, um teatro mais rico, atual e verdadeiramente capaz de cumprir sua função primordial, que é colocar a criança diante de uma das mais antigas formas de comunicação e expressão humana, e fazer jus à expectativa de um público tão especial.

Pensa-se que o idealismo tão necessário ao artista, é ainda mais imprescindível àqueles que criam para crianças. São eles uma espécie rara: quantos diretores de teatro para crianças existem no nosso país?

Quantos dramaturgos de peças infantis?

Quantos grupos dedicados exclusivamente à pesquisa de uma linguagem própria?

Poucos, muito poucos. E quando se fala desta espécie rara, não se inclui o teatro feito puramente por interesses comerciais. Mas, mesmo que se incluísse a todos, ainda assim seriam poucos. Mas como se pode direcionar ou apontar caminhos sem ferir ou bloquear o processo criador?

Talvez convenha uma reflexão: conceber e realizar um bom espetáculo teatral para crianças, é privilégio daqueles naturalmente dotados ou inspirados para isso?

É possível traçar caminhos acadêmicos que possam colaborar na formação e que solidifiquem a pesquisa e o processo criador?

O desafio está em fazer com que a linguagem apresentada atinja o nível de entendimento do mundo, no qual a criança se encontra.

Ao mostrar as situações, o teatro buscará formas diversas, onde a identificação com a criança deverá ocorrer. Esta identificação com as personagens, com o conflito, com os símbolos e signos é fundamental para que a comunicação se estabeleça.

Linguagem significa o potencial incomensurável de elementos que podem servir ao homem para ele expressar ideias e sentimentos.

Diz-se linguagem cênica à somatória de elementos que permite aos artistas se expressarem no palco. A busca desta linguagem se faz através da escolha da forma que irá expressar o que deve ser dito.

Direcionar, elaborar ou definir esta linguagem significa também organizar a atenção do público: a figura humana, os sons, a cor, o espaço, a luz, as palavras, ideias e emoções convivem simultaneamente num espetáculo e a organização , ou direção, de tudo isso obedecerá a dois referencias:

Formal – Que são os elementos audiovisuais do espetáculo.
Narrativo  Que é aquilo que vai se desenvolvendo ou acontecendo.

A linguagem cênica será pois, o encontro da forma adequada, para dizer ou expressar o que deve ser dito. O equilíbrio entre forma e narrativa é o que gera o interesse do público. Elaborar a linguagem no palco é buscar a renovação constante do interesse da plateia. É também recriar os caminhos no campo formal. A magnitude no teatro é relativa à capacidade que tem um espetáculo de manter-se interessante para o espectador:

Constata-se que no teatro para crianças a linguagem se faz através do equilíbrio dos elementos lúdicos, mágicos e reais.

Ou seja: o jogo, as brincadeiras, o encantador, o extraordinário, as transformações fantásticas, a imitação, a capacidade de realizar e pôr em prática, a evidência de tudo aquilo que existe de fato, etc… A recriação constante destes conteúdos apontará para uma linguagem que poderá expressar o universo da criança.

Convém ressaltar que a definição de faixas etárias na linguagem do teatro para crianças, pode ou não ocorrer: Existem espetáculos que se definem ser dirigidos para os pequeninos e outros para crianças maiores, pelo fato de expressarem claramente, pela forma e conteúdos, tal definição. Outros espetáculos abrangem diversas faixas etárias, sem por isso melhores que aqueles. O que realmente importa é que de uma maneira ou de outra, sejam bem realizados. E também que sejam quando for o caso, assumidos os limites colocados pelas temáticas, pelos recursos cênicos usados e até pela própria duração do espetáculo. Para uma criança pequenina, um espetáculo com duração de uma hora, poderá tornar-se cansativo, mesmo em se tratando de uma encenação bem realizada. A natureza inquieta da criança imporá muitas regras, que deverão ser respeitadas, ou melhor ainda, serem tidas como estímulo à busca de soluções criativas.

Tais soluções terão, como instrumentos básicos a gama de possibilidades apresentadas pelos elementos que compõem um espetáculo teatral. Cumpre aqui ressaltar o papel fundamental das canções, ou músicas especialmente compostas para uma peça teatral. Elas terão função de comentar ou completar o texto ou diálogos, de definir ou marcar a passagem de tempo ou mudança de situações, e muitas vezes servem para resgatar elementos do cancioneiro folclórico ou canções populares que expressarão sentimentos ou opiniões.

Assim também, os cenários, os figurinos, a iluminação, sonoplastia, coreografia, maquiagem e adereços deverão completar-se harmonicamente para, junto com os atores, contarem uma história.

Pode-se dizer que todos estes elementos servirão aos acontecimentos ditados pela dramaturgia. Chega-se no ponto sintético, que diz respeito ao equilíbrio entre a ação e o verbal. Diz-se que, no teatro para crianças, a ação deverá englobar, ou até sobrepor o verbal. Ou ainda, tudo o que é posto em cena expressa uma ideia ou um conteúdo – tudo que se vê no palco e não só a palavra, “fala”. Por isso diz-se que é mais difícil o fazer teatral para crianças: pois o pensamento racional, tão enfatizado em todos os processos humanos, inclusive nos processos de criação, deve ser revisto ou revestido. O mundo do sentir é mais vivificado no teatro para crianças. Ou ainda o pensamento é primeiramente sentido e depois racionalizado. A razão vem então mais mansa e menos dominadora. Na linguagem do teatro para crianças ocorrerá o exercício da razão com o afeto da sensibilidade despontando primeiro.

Registra-se aqui algumas sugestões:

Tendo-se em conta que uma das tendências verificadas entre os grupos teatrais dedicados ao teatro para crianças, é a de realizar os seus próprios textos. E que o trabalho dramatúrgico resultante, geralmente fica restrito àqueles grupos. Surge-se a formação de bancos de textos visando estabelecer intercâmbio a serem viabilizados pelas entidades oficiais de cultura, como universidades, fundações, secretarias, etc.

Que estes mesmos órgãos estabeleçam a prática contínua de realizar oficinas ou cursos, que levem em consideração a importância do aprofundamento da pesquisa de linguagem no teatro para crianças.

Considerando-se a importância da busca de integração da linguagem cênica com outras expressões artísticas, como a música e as artes plásticas, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas afim de que tais expressões não sirvam como disfarce para a falta de domínio das peculiaridades do palco.

Considerando-se as conquistas realizadas pelas diversas áreas do conhecimento nas áreas da pedagogia e psicologia sugere-se a aplicação das mesmas no estudo das questões relativas ao teatro dirigido à crianças.

É importante reafirmar ser a arte uma manifestação do espírito humano e que o aprendizado propiciado por este fazer teatral, auxiliará a todos a expandir os valores do coração.

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Fátima Ortiz
Atriz, diretora e dramaturga com destacado trabalho em Curitiba

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 3º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (1999)