Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 25.01.1976

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Libel, A Sapateirinha

Os produtores de peças infantis deveriam ter o hábito de investigar o que vem sendo escrito hoje, tomando conhecimento dos novos enfoques imprimidos às histórias para as crianças. Para a melhoria do nível de qualidade seria útil o gradativo abandono de peças repletas de chavões, de ações arbitrárias, dominadas por incoerentes mensagens educativas e, que mostram, em seu final, que tudo não passou de um sonho.

Todas essas falhas são facilmente encontradas em Libel, a Sapateirinha, de Jurandir Pereira. E o mais grave é que o autor escreveu uma peça sobre uma menina feia e mal vestida para provar que todo mundo é bonito desde que seja bonzinho; não importa como esteja vestido; e, logo depois de dizer tal frase, Libel imediatamente contradiz toda a mensagem:

“- Bote essa camisa para dentro da calça porque menino bonzinho não anda vestido assim.”

Além disso, a peça carrega um ranço de conservadorismo e de passividade, com o Soldado ensinando às crianças que temos de ser conformados e aceitar o que somos e o que temos. E apresenta, ainda, a grave falha de ter muito diálogo vazio e pouca ação.

O diretor Jorge Lúcio não soube resolver o problema das mudanças de cenários, extinguindo qualquer possibilidade de obtenção de um ritmo eficaz ao usar uma divisão em quatro atos (cada intervalo durava cerca de cinco minutos, quando os atos duravam apenas dez). Também na direção dos atores, Jorge Lúcio não obteve bons resultados. Com exceção do palhaço Massaroca (que, apesar de seu show muito pobre consegue despertar a atenção), todos os demais ressentem-se de uma linha de interpretação equivocada. A mais prejudicada é a atriz que faz Libel (Ruth Machado ou Bete Pinheiro? – vamos fazer um programa, senhores produtores!). Mais uma vez um adulto faz um personagem criança utilizando uma fala de débil mental, com pulinhos inúteis e com um comportamento cênico de pessoa retardada, inclusive, no caso de Libel, a busca de uma voz de criança conseguiu, apenas levar a atriz à obtenção de uma voz (chavão) de velha. È doloroso ver uma atriz tão mal orientada (talvez até por ela mesma) principalmente quando se percebe que Ruth Machado (ou seria Bete Pinheiro?) tem certas qualidades indiscutíveis, como comicidade e, especialmente, uma perfeita noção detiming.

A encenação carece de brilho e criatividade, e o insistente e mais que negativo uso do playback só faz acentuar a falta de comunicabilidade da montagem. Os cenários e os figurinos não têm a menor unidade.

Um espetáculo para crianças precisa ser visualmente rico. E necessita de um bom acabamento. Vamos parar de fazer as coisas improvisadamente.