Os atores dão toque preciso de
humor, sem qualquer ranço didático

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 16.01.2000

 

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‘Pocket de bom gosto, moderno e chique’ 

O título sugere um mega espetáculo daqueles cheios de resgates folclóricos oportunista, onde o boitatá, o curupira, o dia e a noite fazem pano de fundo no palco. Entra o corpo de baile, a luz pisca e acabou-se a história.

Nada disso acontece no Teatro Cândido Mendes. Por lá, Lendas do Mundo, um pocket de muito bom gosto, ganha a plateia na medida da conquista olho no olho. Com cenário-ambiente, duas cadeiras, uma mesa e uma estante de partitura, e iluminação muito discreta de Lara Cunha, que foca apenas detalhes da cena, os dois atores chegam ao palco sem muito alarde e montam seu espetáculo com pequenos adereços e talento de sobra.

Mário Mendes e Marco Aureh, o primeiro um ator premiado, o segundo um músico igualmente reconhecido, armam a melhor das parceiras na exposição dos contos sufi, escolhidos como prato principal do espetáculo. Em performance calculada, os atores tiram da arte dos contadores de histórias o ar de sarau e se entregam a representação como se estivessem em round num ringue. O resultado é pura novidade numa arte milenar.

Dos contos escolhidos, alguns já conhecidos, como O Velho, O Menino e o Burro, ganham vigor com elementos de modernidade, sem se tornar modernosos ou apelativo. Outros, como As Orelhas do Rei e O Galo do Paraíso, são contos clássicos de moralidade, que como nas fábulas usam os animais para falar da vaidade do homem. Sorte ou Azar é um interessante exercício de situações onde o conformismo é só um aditivo para o jogo do contrário. Na linha do humor moral, O Mosquito e o Vento é o conto – surpresa, fora do roteiro, que chega como anticlímax para o excelente desfecho de A Força do Tempo, que tem como personagem principal o Amor, ficando como seus coadjuvantes a Alegria, o Ódio e a Tristeza. Tudo muito bem contado e interpretado.

Com texto, concepção e direção dos dois atores em cena, o espetáculo tem em primeiro plano a arte de representar histórias sem perder o fio do conto. Marco Aureh, que até o momento vinha se destacando como diretor musical, é uma revelação como intérprete. Muito á vontade no palco, o novo ator divide a cena com o veterano Mário Mendes em plena igualdade. Mário Mendes, um apreciador dos contos sufi – histórias de ensinamentos-, dá ao espetáculo, com irrepreensível performance, os toques de humor precisos para que a moralidade dos contos não chegue como ensinamento didático. A música de Aureh, integrada ao texto, é mais um elemento da peça que não se sobrepõe à encenação.

Lendas do Mundo é um espetáculo de surpresas na linha do moderno chique, onde a forma dos contadores subverte a estética conhecida para ganhar nova plateia. Quem chegar por lá à procura do teatrinho “boa tarde garotada” vai encontrar coisa muito diferente.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)