Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 10.2006
Perdido na cena e nos pampas
A história do Negrinho do Pastoreio surgida no final do século passado, no Sul, traz elementos africanos e cristãos cujos significados remetem à defesa da abolição da escravatura. Na história, um menino é responsabilizado pela derrota de um cavalo durante uma corrida na qual o seu senhor havia apostado muito dinheiro. Cruelmente torturado, ele é jogado moribundo em um formigueiro, onde vem a morrer. Com a ajuda de Nossa Senhora, é resgatado de seu sofrimento e, desde então, reza a lenda, vagueia pelos pampas ajudando as pessoas a encontrar objetos e animais perdidos. Só pede em troca um toco de vela.
Em cartaz no teatro Ziembinski, na Tijuca, A Lenda do Negrinho do Pastoreio remete a essa comovente narrativa popular. A montagem, que conta com atores recém-saídos de escola de teatro, é dirigida por Rodrigo Abreu. Apesar dos ricos elementos folclóricos à disposição, o grupo não os aproveita, fazendo o reconto de modo simplório, com ênfase na religiosidade da lenda, mero pano de fundo para a denúncia da opressão em determinada região, com seus costumes e mitos.
A concepção de Rodrigo é seca e fria, embora tente imprimir, através do ritmo lento e arrastado, o mistério e a densidade do conto que afinal, não está em cena. O texto, uma adaptação de Aline Alesté, é correto, do ponto de vista da estrutura dramatúrgica. Mas a autora pinta com tintas fortes o moralismo cristão, maniqueísta, o que acaba afastando a trama do conto original, que é muito mais místico e mítico do que religioso ou moralista.
A inexperiência do grupo é evidente em cena. E isso se revela tanto no trabalho da autora, como no do diretor e do elenco, embora todos estejam ali com garra, tentando entender o que é fazer teatro e o que é fazer teatro para crianças. Mas, por que os alunos recém-saídos das escolas de teatro têm sempre que fazer suas experiências nos palcos do teatro infantil? Será que pensam que é mais fácil?
O cenário de Bruno Dantas e Andréa Bellotti se compõe de uma tapadeira de fundo e de alguns elementos cênicos que descem do urdimento, confundindo o que é simples com o que é simplório. A mesma confusão se verifica nos figurinos de Sâmara Niemeyer que ignoram a origem gauchesca do conto – exceto o personagem Estanceiro, que remete, de forma pouco inventiva, à indumentária sulista. O elenco tem atuação limitada, Andréa Santiago faz uma Sinhá constrangida. O Negrinho do Pastoreio, interpretado por Jeff Muniz, tem um toque por demais infantilizado.