Crítica publicada no Jornal do Brasil
por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 2006
O espetáculo do Teatro de Anônimo Lar Doce Lar está em cartaz no espaço do próprio grupo, na Fundição Progresso, sob a direção de Sergio Machado.
A peça aborda um tema recorrente que é o da Loja de Brinquedos e através desta situação faz uma série de críticas ao mundo contemporâneo, crítica aos brinquedos “kitsch”, como a boneca Susie, aos bonecos de ação e à substituição dos brinquedos pelos computadores.
O espetáculo, apesar de não ser um espetáculo de clown, se utiliza desta linguagem, tão íntima do Grupo Teatro de Anônimo. As atrizes Maria Angélica Gomes e Shirley Britto recorrem a composições bem definidas, auxiliadas pela excelente direção corporal de Duda Maia.
As duas atrizes não se utilizam, no entanto, das técnicas que melhor dominam, que são os exercícios aéreos, e em tecidos, trapézio e lira – o que, no primeiro espetáculo infantil do Grupo de Teatro de Anônimo, era a grande atração.
A forma de construção do espetáculo fica evidenciada em cena; a partir de exercícios de improvisação, em torno de um tema, as atrizes, sob o comando de Sérgio Machado, vão costurando situações.
No entanto, por esta mesma razão, o espetáculo não consegue desenvolver a contento uma fábula. Ele é composto de situações que têm uma inter-relação subjetiva – diversos acontecimentos “vividos” por brinquedos que estão à venda numa loja de objetos usados.
Mas a história não se desenvolve, não cresce, ficando difícil de se manter a atenção do público infantil, que precisa de uma história bem contada.
Embora haja mil maneiras de se desenvolver uma dramaturgia, é difícil prender a atenção da criança, ao se contar uma história, sem um conflito claro. No final do espetáculo, apenas é que surge um pequeno conflito – “devem ou não abandonar a loja de brinquedos” e aí o interesse do público aumenta.
A cenografia, feita pela empresa “As Duas”, é original e criativa. Recria o ambiente de um brechó, onde caixas de brinquedos, em proporção aumentada, mantêm uma relação de tamanho com os personagens, que dá veracidade aos brinquedos em cena. Os figurinos reproduzem as tradicionais roupas da boneca de pano e do herói de aventuras, vestido com roupa camuflada. A luz, poderia com certeza criar magia muito maior.
A trilha sonora, feita pelo próprio diretor, tenta criar os diversos climas, mas não mantém homogeneidade, o que é muito comum quando não se tem uma trilha original construída especificamente para o espetáculo.
Das atrizes, Shirley Gomes tem um desempenho aquém do desejável. Embora tente imprimir um tom caricatural ao seu personagem, não tem força cênica expressiva para conseguir dar credibilidade a sua composição. A atriz Maria Angélica, que faz a boneca de pano, já consegue nuances sutis, verdade cênica, acabando por dominar a cena.
Há no espetáculo elementos e situações surpresas bastante interessantes, como o surgimento do “pretendente” de uma das bonecas. No entanto a manipulação do brinquedo João Bobo precisa de uma maior definição. Ou é uma manipulação assumidamente aparente, o que não prejudica em nada à cena, ou é uma manipulação não aparente. A indefinição, ora uma técnica, ora outra, faz com que o personagem manipulado se dilua em cena, ainda mais que não é um boneco feito para o teatro de formas animadas, é apenas um brinquedo, o que já torna mais difícil de obter os efeitos que esta técnica pode trazer.