Kleber Montanheiro é diretor, cenógrafo, figurinista e iluminador. Fotos: Bob Souza

Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 04.09.2015

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Kleber Montanheiro, o ‘queridinho’ do teatro jovem

Diretor, cenógrafo, figurinista e iluminador tem sido o nome mais procurado do ano pelas produções para crianças e adolescentes

No ano passado, fiz aqui neste mesmo espaço um texto sobre Carla Candiotto, chamando-a de “a dir:etora queridinha do teatro infantil”, pois ela vive em vários projetos ao mesmo tempo, emprestando seu talento a inúmeras montagens para crianças. Neste ano, observei que o troféu “queridinho” está migrando um pouco para as mãos de Kleber Montanheiro, diretor, cenógrafo, figurinista e iluminador muito procurado pelos grupos e assediado pelas produções.

Recentemente, Kleber esteve envolvido em cinco peças ao mesmo tempo em cartaz em São Paulo: A Lenda do Cigano e o Gigante (direção, cenário e luz), Navio Fantasma – Holandês Voador (direção, cenário e luz), Os Dois Cavalheiros de Verona (direção e cenário), Sobre Cartas e Desejos Infinitos (direção) e A Porta Secreta (cenário e figurinos).

É muito trabalho e sempre bem cuidadoso e repleto de talento. Dessas cinco peças, duas ainda podem ser vistas neste fim de semana: Sobre Cartas e Desejos Infinitos e Os Dois Cavalheiros de Verona. Abaixo, dez perguntas que fiz ao atual profissional mais cobiçado do teatro infantil e jovem em São Paulo. Com a palavra, Kleber Montanheiro.

Crescer: O fato de você estar à frente de muitos espetáculos voltados para o público jovem (pré ou adolescentes) é coincidência ou existe uma preferência sua em lidar com essa faixa etária de público?

Kleber Montanheiro: Gosto muito de trabalhar para o teatro jovem. Há muitos anos tenho um trabalho voltado para o público adulto e espetáculos para crianças, mas essa faixa etária me encanta pelas possibilidades de outros tipos de discussão: os medos, as angústias, as descobertas, a dificuldade da transição da fase criança para a vida adulta são assuntos que me interessam muito como artista.

Crescer: Você assina cenografia, iluminação e figurinos da maioria dos espetáculos que dirige. Comente esse vínculo da sua direção com as tarefas técnicas que definem o visual do espetáculo.

Kleber: Sempre quando concebo uma direção, muitas imagens vêm à minha cabeça como encenador. Busco uma atenção ao trabalho do ator e ao que quero dizer ao público, como será a comunicação do ator com a plateia. Mas ao mesmo tempo meu trabalho na cena é muito inspirado na arte em geral: a pintura, a escultura, as culturas de povos antigos. Por isso acabo muitas vezes assumindo outras funções dentro do espetáculo, como cenografia, luz ou figurino. Normalmente essas funções interferem diretamente na minha direção cênica, tornando-se um elemento de muita importância para a compreensão do que imaginei para aquele espetáculo.

Crescer: Considero as peças de Shakespeare apropriadas para todas as idades, mas volta e meia há montagens segmentadas por faixa etária. Em Os Dois Cavalheiros de Verona, o que você ressaltou na direção para fisgar o público jovem?

Kleber: Esse é o meu segundo Shakespeare. O primeiro foi Sonho de uma Noite de Verão, mas era direcionado à criança. Para Os Dois Cavalheiros de Verona, como se trata de uma peça cômica e de um assunto muito ingênuo, pueril, achei bem apropriado direcioná-lo ao público jovem. As confusões de dois cavalheiros que amam e desamam, bem comum na adolescência e juventude foram o ponto de partida para uma direção totalmente baseada na farsa pura, com elementos exagerados na interpretação e uma estética voltada ao mundo medieval, à Commedia Dell’arte, linguagem que estudei muito no início da minha carreira e gosto muito de trabalhar. A lente de aumento que nos ridiculariza, que diverte como um espelho da própria realidade dos jovens.

Crescer: Como foi a temporada de Navio Fantasma – Holandês Voador no que concerne ao interesse dos jovens? A peça atraiu mesmo a juventude? Pois, em minha avaliação, o tom excessivamente declamatório das interpretações e o texto clássico e formalista de Paulo Rogério Lopes poderiam ser dois entraves para agradar a esse tipo de público.

Kleber: O Navio Fantasma é uma história que a meu ver destrói padrões do final feliz, das histórias de amor que dão certo. É uma obra muito difícil de se trabalhar e quando começamos a criar o espetáculo a minha vontade era de correr riscos. Tentar não ser óbvio, uma vez que poderíamos cair numa teatralização da ópera do Wagner no sentido de uma montagem estruturada no realismo fantástico. Então tentamos buscar uma forma de contar a história que fosse por um caminho mais ousado, que provocasse a plateia num sentido mais sensorial, através da imagem e da música. Por isso uma trilha tão presente, quase como uma personagem que também conta a história e imagens criadas com a ideia de pinturas vivas. Busquei um olhar direcionado ao jovem que fosse mais por esse caminho do que pelo entendimento racional.

Crescer: Aprender a agir com inteligência, esperteza e criatividade – este me parece ser o tema básico de A Lenda do Cigano e o Gigante, espetáculo infantil que também tem texto – a meu ver um pouco extenso e palavroso – assinado por Paulo Rogério Lopes. Você acha que peças para crianças devem sempre conter algum tipo de lição de vida, exemplos de conduta e enredos esperançosos? O teatro que você faz, para crianças e jovens, tem essa preocupação?

Kleber: Acho que o teatro tem a função de provocar, fazer pensar, gerar discussões acerca do mundo em que vivemos. Se o espetáculo discute temas mais dolorosos como a morte, o desencontro e outros assuntos que são espelhos da vida humana, não vejo por que não levá-los às crianças e aos jovens através do teatro. Nem sempre temos finais felizes no mundo em que vivemos. Antes de tudo acho que o teatro reflete o ser humano e todas as suas questões perante a vida.

Crescer: Em Sobre Cartas e Desejos Infinitos, o que o atraiu na adaptação teatral de Ana Luiza Garcia para o romance As Vantagens de Ser Invisível, de Stephen Chbosky, fazendo-o aceitar o convite para a direção?

Kleber: Acho que a adaptação traz antes de tudo o conflito de uma geração. Apesar de a história originalmente se passar numa cultura que não é a nossa, acho que o foco para a montagem foi a universalidade das relações na faixa etária em discussão. São temas que os jovens vivem hoje, viveram ontem e viverão amanhã. Os mais velhos acabam se reconhecendo por ter passado por situações semelhantes e isso faz da peça uma ferramenta de diálogo: entre amigos, pais e filhos e amantes.

Crescer: Em A Porta Secreta, você assina cenografia e figurinos. Fale um pouco de suas escolhas para o visual desta peça. O fato de ter telão com cenografia virtual feita ao vivo foi decisão sua? O que acha do uso de telões com projeções de vídeos como opção de cenografia?

Kleber: A ideia para a concepção visual de A Porta Secreta nasceu dos filmes de terror, da brincadeira que podíamos fazer com rever os filmes B, por isso a opção pelo preto e branco na maioria dos figurinos, por exemplo. A cor entra em cena como um código que expressa o “outro lado” da porta secreta, por onde a personagem Coralina passa. A cenografia virtual foi uma ideia do diretor Fabio Ock, que queria brincar com a ideia do cenário se construir ao vivo, sendo desenhado para compactuar com o mundo imaginário da criança, que constrói lugares fantásticos. Utilizo a projeção de vídeo em meus espetáculos muito raramente. Pra mim a projeção é mais um complemento da luminosidade do espetáculo, casada com o desenho de luz ou ainda uma ferramenta sensorial da ação dramática. Evito usar como uma composição cenográfica, para criar um ambiente, acho pouco criativo. O caso de A Porta Secreta foi uma exceção por conceitualmente se tratar desse lugar que não existe.

Crescer: Que caminhos você enxerga no atual quadro de teatro para crianças e jovens em São Paulo? Há alguma onda de renovação, alguma característica comum às montagens que chama sua atenção, algum tema muito perseguido?

Kleber: Acho que o teatro para crianças evoluiu muito nos últimos anos. O espaço que ganhou, o respeito e admiração têm crescido a cada ano. Muitos profissionais se dedicaram para isso e vemos um resultado completamente diferente do que víamos há 15 ou 20 anos. O teatro para jovens a meu ver ainda é uma coisa muito confusa. Tanto por parte da imprensa, que não sabe como abordar e considerar em roteiro, por exemplo, como por parte das pautas de teatro, que muitas vezes não sabem o que fazer com aquele espetáculo, se o colocam em temporada à tarde ou à noite. Acho que o público jovem tem descoberto esse tipo de espetáculo aos poucos. A minha sensação é que os temas relacionados às dificuldades que os jovens passam na pré adolescência e adolescência são bem aceitos, existe uma curiosidade e ao mesmo tempo uma busca por espetáculos que estejam falando disso. Parece que é uma vontade de se entender, através da história do outro. Tenho reparado muito nisso na plateia do ‘Sobre Cartas e Desejos Infinitos’.

Crescer: Na sua avaliação, fazer teatro para crianças e jovens, comparando com o dito ‘teatro adulto’, é mais fácil, mais rentável, mais prazeroso, mais seguro, mais atraente, mais nobre ou mais o quê?

Kleber: Pra mim, fazer teatro para crianças e jovens é colaborar com a formação do pensamento, é um ato político. É muito mais difícil, com certeza. É se jogar no abismo a cada vez que a cortina se abre, uma vez que existe um olhar apurado na imaginação, sincero e atento. E se estiver desatento é porque aquilo não o interessou. E não tem jeito. Conquistar uma criança ou um jovem e fazê-lo embarcar numa proposta cênica não é uma tarefa fácil. E eu tento ser sincero e verdadeiro com o meu trabalho direcionado a eles, ser honesto dentro da minha proposta de busca, de pesquisa, de correr riscos quando penso em contar uma história. Precisa ter coragem pra fazer teatro pra crianças e jovens. Para não se tornar mais do mesmo ou se repetir.

Crescer: Depois de tanta atividade em 2015, o que mais você está preparando seja como diretor, cenógrafo, iluminador ou figurinista?

Kleber: Agora no segundo semestre me dedico um pouco ao teatro adulto. Tenho cenografias que estão em processo, uma peça com direção do Roberto Lage, outra da Johana Albuquerque. Começo um novo trabalho de direção e pesquisa com o meu grupo, a Cia. da Revista, que vai criar uma versão do Inimigo do Povo, do Ibsen, com um olhar a partir das linguagens que perseguimos, a Revista e o Cabaré. Para o ano que vem volto correndo ao teatro para crianças e jovens. Estou desenvolvendo dois novos projetos com o Elder Fraga e a Déborah Correa, grandes parceiros desde ‘Crônicas de Cavaleiros e Dragões’, que fizemos no Sesi. Adoro pesquisar, fazer teatro adulto, mas falar com a criança e o jovem através do teatro me alimenta a alma.

Serviço

Sobre Cartas e Desejos Infinitos

Armazém Cultural
Rua dos Cariris, 48, Pinheiros
Tel. 11 2729-5137
Sábados e domingos, 20h
R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
Até 01/11

Os Dois Cavalheiros de Verona

Teatro João Caetano
Rua Borges Lagoa, 650, Vila Clementino
Tel. 11 5573-3774
Sexta 21h, sábado 21h, domingo 19h
R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Até 06/09