José de Maria, um belo espetáculo que custa CR$ 10 nas Kombis

Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 19.11.1977

 

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José de Maria: por um paraíso infantil

Neste belo auto de Natal de Luís Sorel o elemento mais significativo é a linguagem utilizada pelo diretor (o próprio autor). Ela carrega a chave do envolvimento da plateia. Tudo começa com o contato lúdico dos atores com o público, estabelecendo uma comunicação que vai ampliando cada vez mais. Essa comunicação vai ganhando impulso pela crescente força visual da encenação. Seguramente um dos espetáculos mais bonitos em cartaz. José de Maria explora acertadamente roupas, panos, máscaras, transparências, movimentos. Há sempre uma preocupação com a composição do quadro. A partir da motivação de um auto de Natal, a imagem referencial imediata é a de um presépio; mas não se trata daqueles presépios conhecidos e sempre estáticos. Na forma do espetáculo, o que se sente é a composição de um presépio em constantes mutações; e, apesar de os movimentos irem modificando essas formas, em cada uma delas existe aquilo que o presépio traz de mais significativo; um clima muito particular, característico de um momento todo especial.

O texto parece-me propositadamente esquemático: com o autor não se preocupando em desenvolver os personagens e nem em aprofundar os temas. Para mim, a preocupação do autor é essa: contar um nascimento que lembra o de Jesus Cristo, mas que traz uma diferença fundamental: Jesus foi assassinado; e a criança que nasce, em José de Maria, apesar de também lutar pela paz, pela esperança e pela transformação da vida na Terra, terá um pouco mais de sorte; ou será melhor compreendida; ou utilizará táticas mais adequadas. Mas o que importa é que o texto no final propõe que, com esse novo nascimento, o mundo melhorará, transformando-se, na imagem criada pelo autor, num jardim cheio de crianças.

Assim, evitando a armadilha do texto (superficialidade nos personagens e nas ideais), Luís Sorel, ao dirigir o espetáculo, deu-lhe uma dimensão mais abrangente. Ele deu corpo (e um belo corpo) àquilo que era apenas um conjunto de ossos (apesar de bem articulados, eram ossos: faltava um pouco de carne; e de alma).

Carne e alma são elementos que faltam à encenação. Para isso contribuem firmemente os atores (Suely Poggio, Alexandre Vasconcelos, Ana Adélia, Eduardo Azevedo e Ivan Semelos), todos muito adequados a linguagem proposta pelo espetáculo. Não há brilhos individuais, mas há grande harmonia e segurança.

Aos pais; antes de levar seus filhos às peças natalinas que certamente vão começar a explodir por todos os cantos numa jogada meramente comercial, preferiram o espetáculo em cartaz no Teatro Nacional de Comédia. José de Maria dificilmente será suplantado pelas dezenas de Papais Noel que retornarão aos palcos, mais uma vez, acompanhados de Pernalonga, Branca de Neve, Saci Pererê etc.

Duas observações finais; o visível progresso de Luís Sorel na direção de seus espetáculos e a presença da boa atriz Suely Poggio, num trabalho mais preocupado com a qualidade que com a bilheteria.