Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 09.03.1975
A peça Joãozinho e Maria, em cartaz no Teatro de Bolso, consegue sintetizar todas as clássicas deficiências do teatro infantil. O texto é de uma franqueza evidente: a trama é capenga (as entradas e saídas são sempre forçadas), os diálogos são artificiais e a tentativa do autor (Jayr Pinheiro) em criar novas conotações moralizantes só consegue prejudicar ainda mais o já frágil equilíbrio do texto. A história de João e Maria se for contada num clima de fantasia extasiante, talvez ainda consiga despertar alguma atenção da criançada. Mas, do modo como foi encenada, a criança só fica atenta com medo da bruxa. Particularmente, discordo de todas essas historinhas infantis em que a tônica é sempre a atitude negativa, opressora, sádica. E tudo isso fica muito pior quando, ao final, descobre-se que todas as maldades da bruxa fazem parte de um plano dela com o herói para que as crianças, ficando assustadas e com medo, nunca mais faltem à escola. Como psicologia educacional isso é de um primarismo a toda prova. Na plateia, certas crianças pediam aos pais para ir embora porque estavam com medo da bruxa. E é claro que não é para isso que se leve uma criança ao teatro. Outros poderão alegar: “Essa geração é diferente; está acostumada a ver os piores monstros na televisão!” Mas é bom não esquecer que televisão se vê num ambiente conhecido, iluminado, onde a criança se distancia mais facilmente e onde tem todos os pontos de referência bem estabelecidos. O próprio clima da sala do teatro já determina um novo estado de espírito, que pode ser levado tanto para o deslumbramento quanto para a ansiedade. O teatro infantil não deve aterrorizar as crianças.
Além de um texto dramaturgicamente fraco e psicologicamente perigoso, a montagem peca por todos os outros defeitos possíveis. A direção de Jayr Pinheiro é omissa: não há clima, não há ritmo, não há plasticidade. A direção não estimula o interesse e o espetáculo corre lerdo, sem graça, indiferente. Os cenários e os figurinos agridem qualquer pessoa de bom gosto (principalmente aquelas que pagam 15 cruzeiros de ingresso), constituindo-se numa inominável mistura de elementos sem valor estético. O elenco é inexperiente, sem recursos e, o que é o pior, já viciado. A interpretação se caracteriza pelo chavão, pelo óbvio, pelo clichê. Os atores são formados naquela falsa escola onde interpretar criança é sinônimo de falar como débil mental. E somam-se os senões, que demonstram um total desrespeito com o público pagante: o herói da floresta é barrigudo e desprovido de qualquer dinâmica; uma criança, falando tatibitate diz frases falsamente pomposas como “creio ser necessário alguma palavra mágica”; o herói, em dificuldade, coça a cabeça, esquecendo que está de capacete; e há primores de texto como esse: “Viu, eles iam obrigar a gente a comer ovos de aranha lunar! E a gente ainda reclama da cômoda da mamãe!”
A destacar, positivamente, a boa presença cênica e a bela voz de Vera Goulart. Poderá vir a ser uma boa atriz se mostrar interesse pelas técnicas de interpretação e se estiver disposta a abandonar o lugar comum e se sacrificar na lapidação de seu talento, atualmente em estado de diamante bruto.
Enfim, Joãozinho e Maria é um exemplo excelente do que não deve ser feito em teatro infantil.
Recomendações:
Sem restrições: História de Lenços e Ventos
Com pequenas restrições: A Varinha do Faz de Conta