Com um bom elenco e belos cenários, sem heróis biônicos ou violência, João e o Pé de Feijão conta uma história fantástica


Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 07.12.1996

 

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O prazer de uma antiga e boa história 

João e o Pé de Feijão, clássico da literatura infantil, é um conto de fadas que vence a limitação da realidade e investe na esfera do mundo maravilhoso, onde tudo acontece como deveria. A história cheia de signos mágicos e amuletos é das mais cultuadas por adultos, que mesmo na era da Internet e dos heróis biônicos da TV não se intimidam de recontá-las, quando solicitados, à plateia infantil. Foi com essa inspiração que Marcelo Valle, autor da versão de João e o Pé de Feijão e diretor do espetáculo em cartaz no teatro Ziembinski, teve a ideia de inserir alguns elementos contemporâneos ao texto clássico, sem, no entanto ferir o enredo original em sua principal característica: a transformação do plano real, cruel, no mundo mágico da fantasia.

O texto de Valle traz a história para uma favela do Rio de Janeiro. João, aqui dividido em três personagens – estratégia completamente dispensável na encenação -, vive todas as dificuldades de um menino da favela. Seu pai trabalha num teatro e está para ser despedido por falta de público. A mãe almeja morar numa casa fora do morro. Em meio aos conflitos familiares João sonha com o pé de feijão e com todos os outros personagens do drama: a galinha dos ovos de ouro, a flauta mágica, o gigante e a senhora do castelo. A história dividida em três planos – a realidade, o sonho e o sonho que pode se tornar real – é contada em cena sem muitos atropelos.

A direção de Marcelo Valle para seu próprio texto recheia a peça de diversos artifícios teatrais, todos muito eficientes. A concepção cenográfica de Sérgio Marimba mostra a favela estilizada num painel de ferro que cobre o fundo do palco, dando sobriedade a cena. Os demais ambientes, no mesmo material – o forno do castelo do gigante e a casa do João – são muito bem delineados e aproveitam o palco na medida exata. Os objetos de elástico – o pé de feijão e as nuvens onde se penduram os meninos George Bezerra, Péricles Amin e Leonardo Assis sob a direção dos intrépidos Beth Marins e Cláudio Baltar, são um dos pontos altos. Já os figurinos de Othon Spnener são desiguais, vestindo bem apenas o gigante e sua mulher. A iluminação de Maneco Quinderé também não alcança a qualidade de seus últimos trabalhos.

No elenco, Jorge Maia tira partido de sua natural comicidade como o gigante e o pai de João. Bel Garcia está melhor no papel de mulher do gigante e Isabel Nuniz Lyra se divide bem nos personagens de Galinha Elvira, Vaca Vitória e Harpa Dalva. O melhor do espetáculo, no entanto, fica com a participação do menino George Bezerra no papel de João. Com muita naturalidade o ator passa pelos diversos planos da história sem se perder em atuações exageradas, ou em tons recitativos. Recurso muito comum aos prodígios de sua idade.

João e o Pé de Feijão é um espetáculo de história bem contada no qual o toque de modernidade não suplantou o fantástico da trama original. De destoante, apenas o triplicado personagem título, que em muitos momentos confunde a plateia e compromete a ação.

Cotação 2 estrelas (Bom)