Neusa Rocha com uma das belas máscaras de Jean Bisilliat

Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 26.08.1978

 

Barra

Um João fatalista, solitário e feliz 

O que me parece mais importante de assinalar em João da Lua, em cartaz no Cacilda Becker, é a sua proposta bastante clara de que teatro pode ser feito em casa, com os materiais do nosso dia-a-dia. Por outro lado me choca um pouco a proposta individualista e solitária que o trabalho carrega, mostrando (pretendendo mostrar) que você é capaz de fazer tudo sozinho e que é melhor viver na sua solidão tranquila do que num mundo complexo e em ebulição.

A história criada por Pierre Denervaud lembra um pouco o Flicts, de Ziraldo, mas não traz a clareza de ideias nem aquele toque de sensibilidade apresentados pelo autor brasileiro. O autor, ao final, afirma que João não é mais triste e que espera a visita das crianças na Lua. Mas por que João deixou de ser triste? Nada há no espetáculo que justifique tal mudança. E o autor propõe o quê? Que a solidão é melhor que a rejeição? Não é uma solução muito saudável. Vejamos desde o início a trajetória de João: sozinho e triste, na Lua, ele resolve vir até a Terra; na Terra é perseguido e preso “porque é diferente”; decide voltar para a Lua, onde volta a ficar sozinho, mas deixa de ser triste. Por quê? Não há nada que justifique o fim de sua tristeza. Pelo contrário: a rejeição sofrida na Terra deveria torná-lo mais triste ainda. Na realidade, o personagem poderia escolher três caminhos básicos:

1) Na Lua, vivo triste porque fico sozinho. Na Terra, sou perseguido. Minha vida não tem jeito mesmo. Posição Fatalista.

2) Descobri que meu verdadeiro lugar é aqui, na Lua. Mesmo sozinho e triste, devo ficar aqui. As coisas não devem ser mudadas. Minha vida não tem jeito mesmo. Posição Fatalista.

3) As coisas estão erradas tanto na Terra quanto na Lua. Preciso tomar alguma atitude para transformar essas coisas. Posição Transformadora.

Parece-me que a única posição lúcida é a terceira. É a única que leva o personagem para a frente. No texto de Denervaud, o personagem sofre um recuo (Não quero dizer que os personagens não possam sofrer recuos. Sua significação positiva pode ser inclusive tanto maior quanto maior for o recuo. O único problema é que tais recuos devem ser justificados dramaticamente. Não é o que acontece, porém, com João da Lua).

E por que um monólogo? Não se justifica cenicamente a existência de apenas uma atriz fazendo tudo. Quer provar o quê? A solidão de João? Se for isso, o recurso não funciona mesmo e acaba empobrecendo as possibilidades dinâmicas do espetáculo. Isso leva a encenação à total obviedade, numa linha absolutamente descritiva e pouco expressiva. A atriz fala: “Ai, João foi preso”, e ela mesma vai e entra na prisão: a atriz fala: “Ai, o general apareceu” e ela representa o general; a atriz fala: “Aí, João começou a correr” e ela começa correr. O leitor pode notar a fórmula adotada pelo espetáculo (que, aliás, não tem diretor) e pelo texto: uma narração e uma posterior descrição do que já fora narrado… Ao mesmo tempo, as boas sacações do espetáculo não são exploradas suficientemente, como os cogumelos ou como a apenas descritiva utilização das bonitas máscaras dos animais.

Num monólogo é necessária a presença de uma atriz brilhante. Não pode ser apenas correta. A atriz tem que nos envolver, nos extasiar com o que ela acrescenta ao texto. No caso de Neusa Rocha, temos uma atriz correta, segura e um tanto rígida, até um pouco formal demais para se comunicar com as crianças. E com tantas deficiências no texto e na encenação é muito difícil, para ela, sustentar bem o espetáculo. O que acontece é que o brinde dado à plateia acaba sendo melhor e mais comunicativo que o banquete. A feitura do cachorro de papel mobiliza muito mais a plateia, interna e externamente, do que o espetáculo. Pena que a promessa feita às crianças de se fazer uma marionete não se complemente e acaba-se tendo apenas um cachorro de papel. Mas, de qualquer forma, o brinde funciona a contento. E muito bom todo o trabalho visual de Jean Bisilliat Gardet.

Finalizando: quando será que poderemos ver um cientista, no teatro infantil, que não seja um pouco louco?