Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 25.11.1978

Barra

Ideia boa, realização fraca 

O mérito maior dos criadores de Inventarolar, em cartaz no parque Lage, é o de procurar uma linguagem que permita à criança se envolver mais no ato lúdico que é a criação e participação num espetáculo teatral. Infelizmente, a boa intenção serve apenas para ser registrada, pois o que acontece na hora e meia de espetáculo é profundamente disperso, caótico e traz a desagradável sensação de estarmos assistindo a algo interminável.

O início é leve, criando um clima mais solto e permitindo que as crianças relaxem progressivamente. Mas já aí nota-se um dos fatores que impedem o bom desenvolvimento do trabalho; a falta de noção do tempo necessário que cada cena pede. A insistência no “como é que se faz para…” é uma característica que domina o trabalho. Outros exemplos: “Dudu” no circo; a coroa que não sai, etc.

É interessante a proposta de participação das crianças, mas ela não funciona, primeiramente, porque o desenvolvimento não tem uma estrutura suficientemente forte. Falta um roteiro mais rico e menos longo (e o espetáculo se torna ainda mais longo pela pobreza do roteiro). O texto não consegue pegar o espectador de modo integral. Chega-se ao final com um monte de ideias isoladas e mal resolvidas. Há coisas boas, como a colocação crítica da figura do rei, já cansado de mandar em todo mundo e que quer soltar a sua criança, andando de bicicleta ou nadando. Mas ele não pode porque foi uma criança superprotegida e acabou perdendo sua verdadeira identidade. Isso, entretanto, é colocado dentro de um clima tão caótico, que praticamente se perde.

Quando se pretende levar um espetáculo para crianças que dependa, para ser concretizado, da participação efetiva do público infantil através de ações, é necessária uma certa experiência dos atores para se relacionar com a plateia. Não é fácil fazer crianças dos mais variados estágios de desenvolvimento se concentrar e atuar de acordo com as propostas. Se essa experiência falta ao elenco, o espetáculo não acontece. Foi o que houve com o Inventarolar, no dia em que vi. O elenco excitava as crianças e depois não sabia como contê-las. Na hora em que decidiram propor fazer “em som” a partir das caixas de papelão, a batucada excitou as crianças e daí foi um passo rápido para guerras de caixas, pequenas agressões e dispersão generalizada. O elenco, muitas vezes nem interferia porque nem via; estava ocupado em outra coisa. Ou seja: perdera totalmente o domínio da situação.

O que me parece mais grave no espetáculo, entretanto, é o fato de que a encenação rejeita de modo absoluto todas as crianças que não se envolvem com a proposta de participação, ou porque simplesmente não se sentiram interessadas e preferiram ficar nas cadeiras. Para essas crianças, como para os pais, o espetáculo termina aí. Desse modo em diante, começa uma curtição muito particular do elenco com as crianças que resolveram brincar. Chega-se ao cúmulo de, em determinado momento, existirem três pequenos grupos espalhados pela sala, cada um falando baixinho e só para si. Quem está sentado nas cadeiras fica na prática, proibido de participar, sendo totalmente ignorado.

Aprendendo com os erros cometidos, é possível que os Inventarolamos acertem mais em cheio no próximo trabalho.