Teatro Kimmet: Aladino, na versão de Carlo Formigoni

Matéria publicada no Jornal de Artes Cênicas
Por Dudu Sandroni (*) – Janeiro 1980

 

 

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Promovido pelo Théâtre des Jeunes Annés e o Centre Dramatique National (França), realizou-se, na cidade de Lyon, pela sétima vez, o RITEJ – Rencontres Internationales Théatre et Jeunes Spectateurs, que este ano também recebeu da Associação Internacional do Teatro para a Infância e Juventude – ASSITEJ, o título de Théâtres du Monde. Isso significa o reconhecimento do RITEJ como o mais importante festival de teatro para a infância e juventude do calendário de 1989. E foi.

Não bastasse a participação de mais de 20 países, inclusive o Brasil, através do  MOTIN – Movimento Teatro Infantil, com a apresentação de 17 peças de 12 países diferentes, o RITEJ, pela primeira vez em sua história, contou com a presença de um grupo de 50 crianças de várias nacionalidades, escolhidas nas salas de arte / educação.

Do ponto de vista artístico, a primeira coisa que chamou a atenção no festival foi a preocupação com o teatro para jovens, talvez até mais do que para as crianças propriamente ditas. É interessante notar isso, principalmente se observarmos como são raros, no Rio, os artistas que se dedicam a uma produção voltada para a juventude. Por essas praias parece-me que Carlos Wilson e o Festival de Teatro Brasileiro (ex -Tapa) navegam solitários no gênero.

Por outro lado, creio que essa maciça produção para jovens, na Europa, seja também fruto de uma certa confusão em relação à discussão do gênero infantil. Também saltava aos olhos de qualquer terceiro mundista presente o grande apuro técnico dos atores, bem como o cuidado das produções. Explica-se: a quase totalidade das peças vistas em Lyon era de grupos subvencionados pelos respectivos Ministérios da Cultura de seus países, o que proporciona aos grupos as condições necessárias para o desenvolvimento de um trabalho contínuo e sério.

O que se viu

Mas vamos ao que se passou em Lyon. Lá estavam as peças da Alemanha (RFA) como L’Histoire de Tanzi Trafford, espetáculo musical em dez assaltos de Claire Luckam.

Le Transbordeur, uma antiga fábrica transformada em discoteca nos arredores de Lyon, virou arena de boxe. No meio da arena, um ringue armado: e em cima do ringue, uma banda de rock. Em volta, os espectadores assistem a 10 rounds de uma luta a princípio desigual. Nossa heroína, Tanzi, lutará, em cada um dos dez rounds, com um adversário diferente: sua mãe, sua amiga de escola, o namorado, o pai, o psicanalista, o marido… À medida que Tanzi cresce vai subindo ao ringue um adversário que é preciso vencer. Para felicidade do público feminino, em particular, Tanzi, na soma dos rounds ganhos e perdidos, sai vitoriosa. Uma montagem sem dúvida ingênua, mas bem feita e divertida.

Banda de rock também era a novidade que os camaradas da União Soviética traziam a Lyon. O espetáculo chamava-se Dogs, mas eles juram que não tinham nada a ver com Cats norte americano. A receita é nossa velha conhecida: um grupo de jovens vivendo num gueto, se batendo contra uma sociedade que não respeita os jovens e seus idealismos. Eu diria um espetáculo da perestroika para estrangeiro ver. Mas valeu. A delegação soviética era uma das mais animadas e fora do palco nos divertimos a valer, para desespero do gerente de hotel em que eles estavam hospedados.

A música parece que se casou definitivamente com o teatro infantil e juvenil. E se já havíamos verificado esta união no Brasil, foi bom perceber que isso também acontece em outros países.  Mas graças a Deus nem só de rock vive o teatro musical. Mowgli, l’Enfant Loup, por exemplo, ganhou um tratamento musical dos mais originais. Abandonando as versões tipo Walt Disney da história do menino criado por animais em plena África, o Teatro de Estrasburgo (LAL – TJP) vai direto ao conto de Rudyard Kipling e constrói um espetáculo raro. Em cena, três músicos percussionistas; no cenário, inspirado numa tela de Max Ernst, La Grande Forêt, diversos instrumentos de percussão, construídos especialmente para a peça a partir de uma pesquisa sobre a sonoridade dos bichos e das coisas na floresta. Com esses elementos, os atores-cantores-instrumentistas, fazem a plateia acompanhar a trajetória de Mowgli através de impressões quase somente sonoras. Para orgulho verde-amarelo, o compositor, diretor musical e também um dos atores, Simon Pomera, é apaixonado por música da Bahia, onde já esteve várias vezes, fala português, é casado com uma brasileira e fã de Caetano.

Exótico também era o som de Aladino, do Teatro Kismet (Itália). Ali, os atores que não estavam em cena se revezavam no manejo de uma cítara indiana e alguns instrumentos de percussão, dando o ritmo a um dos melhores espetáculos do Ritej. Resgatando o essencial da narrativa de Aladim e o Gênio da Lâmpada das Mil e Uma Noites, a encenação de Carlo Formigoni coloca em evidência as fases ancestrais de todas as viagens, como aquela que Aladim faz até a gruta onde está a lâmpada, os ritos de iniciação que transforma em grande o pequeno homem, o jogo dos atores que se utilizam de técnicas de teatro Nô, da dança indiana, do distanciamento brechtiano, para dar à cena momentos de rara magia.

Dois Destaques

A simplicidade pode ser, às vezes, um bom negócio. Dois dos melhores espetáculos que pude ver em Lyon investiram nisso. Coincidentemente, dois monólogos.

Arthur Young ou L’arbre de la Liberté, escrito e dirigido por Frédéric Esparel e interpretado por André Gayre, propunha aos jovens espectadores uma viagem a uma época particularmente densa da História: a da Revolução Francesa. A peça foi apresentada no Espace Poisson d’Or, um prédio antigo transformado em galeria de arte na parte velha de Lyon. A plateia, não mais de trinta espectadores, por apresentação, era convidada a seguir Arthur pelas diversas salas da galeria, transformada num verdadeiro museu, de objetos aparentemente insignificantes, que não tinham pertencido a ninguém em especial, mas que, apresentados por Arthur, nos revelavam uma sociedade em ebulição, movida por injustiças profundas, que levariam o povo francês à mais importante revolução da História do mundo ocidental.

Um exemplo: numa das salas víamos, lado a lado, toda a parafernália do jogo de mesa da nobreza, onde vários tipos de pratas e talheres eram usados numa única refeição por uma mesma pessoa, contrapostos à cuia e à colher de pau usadas pelos camponeses. Com este cenário, Arthur nos fazia ver as profundas desigualdades sociais da época. E assim em cada sala encontrávamos objetos diferentes com os quais o ator contracenava, fazendo com que o público conhecesse a História da Revolução, não mais do ponto de vista dos seus heróis e anti-heróis, mas do de milhares de personagens novos: o povo.

Outro espetáculo que merece ser citado ao se falar do RITEJ 89 é Ixok, do Teatro Vivo da Guatemala. Vivendo no exílio desde 1980, Edgar Flores e Carmen Samaysa, diretor e atriz, respectivamente, ocupam a cena para contar a história de uma mulher, Ixok na língua Maya Quiché, que poderia ser qualquer uma do continente americano de origem indígena. A infância, o casamento, a comunidade e o seu massacre vão sendo narrados por Ixok que, carregando o filho nas costas, está à procura do seu marido. Um espetáculo que, mesmo falado em língua espanhola emocionou a todos e consagrou Carmen Samaya como a melhor atriz do encontro

A troca

Enfim, o RITEJ, em sua 7ª edição, foi mais uma vez o grande palco de congraçamento dos artistas do mundo dedicados ao teatro para a infância e a juventude. Além dos espetáculos, tivemos oportunidade de trocar ideias e informações nos diversos debates e conferências que ocorreram durante o encontro.

A presença brasileira foi alvo do interesse dos participantes do RITEJ, que reclamaram uma participação mais ativa do Brasil nesses encontros internacionais. Maurice Yendet e Michel Dieuaide, diretores do RITEJ, acenaram com a possibilidade de no próximo encontro, em 1991, o Brasil estar representado com um espetáculo. A última vez que participamos da mostra foi com A Gaiola de Avatsiu, do grupo Hombu, que deixou boas recordações na memória de todos os que assistiram ao espetáculo.

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(*) Dudu Sandroni é ator e diretor de teatro