Família Aço – o elenco tem atuação desigual, e muitas vezes os tipos se confundem em cena

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Ricardo Schöpke – Rio de Janeiro – 08.05.2010

 

 

Palhaçada Sem Graça

Peça transforma clowns em personagens caricatos

Uma das maiores dificuldades encontradas no teatro é a longevidade de um bom espetáculo em cartaz, justamente por ser uma arte efêmera, feita em um instante. O fato de reproduzir uma função dia a dia é considerada pela classe artística uma das tarefas mais árduas – a repetição diária pode colaborar com a mecanização e o engessamento de um espetáculo. Quando isso acontece dá a impressão de se assistir a uma execução técnica competente, porém percebe-se que o ator não mostra sua alma em cena. Espetáculos assim não conseguem suportar as armadilhas de uma rotina. Isto se torna ainda mais latente em relação a um espetáculo que está em cartaz há muitos anos. Para não cair em uma fórmula, é preciso um verdadeiro compromisso com a arte e o ofício teatral – sobretudo ao trazer uma produção de volta à cena.

A escolha do espaço cênico também é primordial para o sucesso, além de determinar o produto artístico oferecido ao grande público. Um teatro de shopping, sempre traz um grande número de limitações para uma peça infantil: espaço pequeno, prioridade para peças adultas, poucos equipamentos disponíveis. Com isso, as produções montadas nestes teatros precisam se multiplicar em esforços.

A Incrível Viagem da Família Aço, em cartaz aos sábados e domingos, às 17h, no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, sucumbe a algumas dessas armadilhas. A trama sugere o desejo de um menino, o palhaço Aço Júnior, de reencontrar a mãe, ao completar 8 anos.
Sem coragem de revelar a morte de sua mulher, Pai Aço diz que ela está em lugar muito bonito. Insatisfeito com resposta, o menino decide partir em busca do tal lugar, embarcando numa aventura que agrega personagens, sotaques, cantigas, lendas e crendices do Brasil. Contudo, não isso se vê em cena. Cercado de algumas credenciais, e de um nome de peso na ficha técnica, a produção e a direção do espetáculo parece ter encenado outra peça. A começar peça concepção cênica – apenas um grande praticável retangular, com quatro rodas, coberta de retalhos – que poderia ser a sugestão de mais uma batida carroça mambembe ou de uma charanga. Toda a sua funcionalidade e inventividade é apenas o fato de usar os seus quatro lados, sem que para isso existam adereços cenográficos expressivos para diferenciar uma viagem para cidades do Brasil que parece não existir. Não é criada nenhuma perspectiva espacial, geográfica, de volume, ou de elipse de tempo, que nos faça acreditar que os personagens viajaram alguns poucos metros que seja. O texto e a direção de Lú Gatelli são simplistas e destituídos de poesia, graça e lirismos. A suposta viagem pelas cidades resume-se a mostrar que em Minas tem pão de queijo, que na Bahia tem acarajé, e por aí vai. E tudo isso realizado em três metros quadrados de palco, ao redor deste elemento cenográfico, sem qualquer desenho de cena, marca ou objetivo real de se andar para ali ou para lá.

A suposta viagem resume-se a mostrar que em MInas tem pão de queijo e na Bahia tem acarajé

A iluminação do premiado Jorginho de Carvalho – recentemente agraciado com o Prêmio Zilka Sallabery por três espetáculos – não se parece com nada que ele tenha feito para os palcos. A luz é estática, monótona e destituída de brilho. O elenco também tem uma atuação muito fraca e consegue transformar clowns em personagens caricatos. Richard Goulart grita muito em todos os seus tipos, o que prejudica a diferenciar um do outro. Lú Gatelli como Aço Jr. Tem também uma caracterização fraca, tanto na construção da personagem como no visual – seus dentes são pintados de preto, numa desagradável alusão a palhaços pobres e desdentados. O ator Marcelo Gatelli, como Pai Aço, e atriz Lígia Dechen, como Vovózaço são os que apresentam um melhor rendimento. Neles conseguimos ver alguns traços clownescos: exploração do lado cômico, patético e melancólico desta nobre arte.