Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 12.08.1978

Barra

Os bruxos somos nós mesmos


Ilhas do Dia-a-Dia
, texto e espetáculo de João Siqueira e Irene Leonore, em cartaz no Teatro SESC da Tijuca, é mais uma peça infantil que se propõe mostrar o teatro como uma forma de expressão ao alcance de qualquer um. É mais uma peça que procura dizer às crianças: Você também pode fazer teatro em sua casa, com os panos, com os objetos lá existentes e com o exercício da imaginação. Uma tira pode demarcar uma ilha; quem era rei pode, de repente, ser um parafuso; o teatro não deve ser visto como uma coisa distante e “artística”; você deve se relacionar com o teatro ludicamente e exercer essa forma de expressão da mesma maneira como, por exemplo, você pega uma caneta e começa a desenhar, num jogo livre, espontâneo e sem um objetivo a ser alcançado aprioristicamente.

Não se entenda, com essa última frase, que o grupo responsável pela peça não tem objetivos definidos. Seus objetivos são claros e poderiam ser sintetizados assim: ao invés de estarmos aqui para contar uma história para vocês, preferimos mostrar que vocês podem fazer as suas próprias histórias. A situação proposta pelo texto é simples e até bem pouco original: algumas crianças se reúnem para se divertir e resolvem brincar de teatro. A partir daí vão surgindo ideias, as ideias são transformadas em ação e a comunicação com o público se estabelece principalmente pelo modo com que o espetáculo se oferece à plateia. Há, na realidade, um tom de brincadeira de quintal, e isso determina, nos atores, um comportamento solto, informal. Além disso, (ou por causa disso) a encenação tem sempre um clima muito simpático.

Tanto a encenação quanto o texto, entretanto, perdem muito de sua qualidade na parte final. Isso compreende o final propriamente dito (quando não se define com clareza que acabou a encenação e começou o papo com as crianças), assim como toda a sequência onde se procura estabelecer um paralelo mais imediato com o “dia-a-dia” do título e são tratados temas como lazer, repressão, consumo. Neste momento o texto se torna confuso e o espetáculo não apresenta mais o grau de interesse obtido até ali (interesse que alcança maior força na história do rei, com as constantes trocas de atores e personagens). O elenco atua com desenvoltura e segurança, mas cabe destacar a participação de Rômulo Marinho, bem engraçado e comunicativo, Ilhas do Dia-a-Dia é um programa recomendável para seu filho. Além de propor que se brinque de teatro em casa, o texto ainda fala do impulso para o desconhecido, da capacidade que temos de chorar e dos bruxos que somos nós mesmos.