O encontro através da magia do gesto na montagem de Bia Lessa no Teatro do SESC Tijuca. Foto: Dilmar Cavalher

Crítica publicada no Jornal do Brasil, Caderno  B
Por Macksen Luiz – Rio de Janeiro – 25.03.1986

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Ideias e Repetições – Um Musical de Gestos

Chegadas e Partidas

É extremamente animador assistir a Ideias e Repetições – Um Musical de Gestos que dá sequência a pesquisa pessoal de Bia Lessa nas áreas da dramaturgia e do espetáculo. Desde Ensaio N° 1, há dois anos, que Lessa recorre a textos literários que se transformam em espetáculos com forte influência coreográfica (as massas de atores se movimentam no palco criando cenários e intenções dramáticas tão imponderáveis quanto o efeito de um gesto) e de investigação de sentimentos humanos básicos. Neste Ideias – o título é bastante oportuno como definição da proposta – a diretora e adaptadora remexe, uma vez mais, esses sentimentos tão difíceis de definir como o amor, a morte (e a sua escolha), a separação e as vivências submetidas a passagem do tempo. Procura retirar o caráter literário que está na origem dos textos de Jorge Luiz Borges, Garcia Márquez ou de Lygia Bojunga Nunes e teatralizá-los do ponto de vista de uma escrita cênica extremamente ágil, na qual os quadros se armam e desarmam com rapidez necessária apenas para fixar uma emoção ou flagrar o vazio (ou a plenitude) de um sentimento. Não é por outra razão que a palavra se inscreve, tal como os outros elementos da cena, como uma das possibilidades de criar o “clima” dramático geral. Tudo se fragmenta num corpo cuja unidade é feita de pedaços, das frações, definindo, assim o sentido de precariedade e de transitoriedade da experiência humana. “Sempre é uma palavra – a frase é dita ao longo do espetáculo – que não é permitida entre os homens.”

Na montagem, Bia aproveita os diversos alçapões do palco do Teatro do Sesc da Tijuca para transformá-los em entradas e saídas do jovem elenco, sempre perseguindo uma chegada ou partida. A intensa  movimentação é o tom sob o qual a montagem está impostada. A música, pano-de-fundo e ponta-de-lança, simultaneamente, acentua ou sufoca a ação,  registrando o que há de fugaz entre o encontro e a separação.

Ideias e repetições – um Musical de Gestos desenha-se sobre recorrências, sobre os motivos (sempre os mesmos) que fazem as pessoas chegarem (aos lugares e aos sentimentos) e partirem. Ainda que identificado com a “estética Antunes Filho”, percebe-se no espetáculo a maneira pessoal como a Bia a interpreta como se a  cada montagem descobrisse o seu próprio código de linguagem.

As concepções da diretora servem aos propósitos da  montagem, já que foi criada para turma de alunos formandos da Casa de Arte de Laranjeiras. O elenco é trabalhado como se fosse um coro e, desta forma, as eventuais deficiências se  diluem, mas é possível detectar valores individuais, com  material potencialmente rico. O palco do Sesc, com suas escadas, torres e pequenas saídas foram laboriosamente utilizadas, aproveitando-se esses muitos desvãos para efeitos de  iluminação sempre de grande impacto. O guarda-roupa em tons “sujos” são adequados ao peso dramático da maioria das cenas. A destacar ainda as marcações coreográficas que retiram efeitos tão exatos para  definição dos personagens. Basta mencionar a Barbuda e o Mágico.

Para quem procura no teatro uma linguagem não linear,  que gosta de ver num palco formas cênicas tratadas como categorias estéticas, mas que nem por isso abdica do prazer da emoção, Ideias e Repetições – Um Musical de Gestos propõe um mergulho revigorante na magia do confronto teatral.