Marcus Vinícius e Maria Beatriz em A Idade do Sonho. Foto: Marfisa Bertora

Crítica Publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 12.04.1985

Um Sonho Feliz no Cacilda Becker

O trabalho de Tônio Carvalho e Vicente Maiolino, à frente do Teatro Feliz Meu Bem, é, antes de tudo, discreto. E é assim, sem muito espalhafato, que há cinco anos o grupo vem se firmando como um dos mais operosos na área de teatro infantil  Tônio Carvalho como uma nítida exceção na waste land que é o campo da dramaturgia para crianças. A Idade do Sonho, que acaba de estrear no Teatro Cacilda Becker, confirma essa progressiva definição de um estilo próprio de encenação pelo grupo e de uma dramaturgia em diálogo simultâneo com elementos da cultura e da fantasia populares e com os sonhos e o imaginário individual.

O que se vê de início no palco do Cacilda Becker é bem pouca coisa. O esboço de um camarim onde um palhaço se prepara para entrar em cena; a frente de um sobrado com uma enorme janela aberta, que serve também de palco para o recurso, bem dosado, ao teatro de bonecos; um piano no canto direito do teatro e que acompanha de perto a ação dramática, à maneira das velhas salas de exibição do tempo do cinema mudo.

A pianista Patrícia Durães, além de corresponsável pela direção musical do espetáculo junto a Raquel Durães, tem uma participação decisiva na encenação. Desde a atrapalhada entrada em cena, quando faz dupla com o palhaço, à atenção com que pontua musicalmente tudo o que se passa em cena. Pode-se dizer que é a pianista quem, junto com o palhaço, serve de narrador para a história de uma menina que sonha ser raptada por ciganos para fugir à Disciplina familiar imposta por uma dupla severa de personagens que são, ao mesmo tempo, tias, professoras e bruxas.

O outro narrador, o palhaço, já se encontra no palco desde o momento em que os espectadores entram no teatro. O que teatraliza de cara os minutos de expectativa e tensão que costumam anteceder a representação.

O espectador entra no clima mágico-teatral de A Idade do Sonho assim que se acomoda na plateia. E, suave ironia do espetáculo, quem interpreta esse clown branco, que liga e serve de contraponto às diversas situações encenadas, é o próprio diretor da peça, Vicente Maiolino. Desse modo, ao mesmo tempo em que se narra a história de Ana e de seu sonho cigano, esboça-se uma reflexão sobre o personagem mesmo do diretor teatral. Aquele que está em cena antes mesmo do início do espetáculo, que observa meio escondido a interpretação dos demais personagens e interfere, vez por outra, naquilo a que assiste. Isto faz o clown de A Idade do Sonho, delicada representação do encenador, interpretada na medida por Vicente Maiolino.

Dupla reflexão, sobre a encenação e as fantasias pessoais, sobre a vigilância e o sonho, o amor e o que ele tem de representação. Em A Idade do Sonho, Tônio Carvalho e Vicente Maiolino trabalham mais uma vez com a economia de meios que já é uma marca registrada do Teatro Feliz Meu Bem. E à qual se acrescenta, nessa última montagem, elemento até então pouco trabalhado pela dicção preferencialmente “mágica” do grupo: o humor. Seja na interpretação caricatural das tias, seja nas intervenções iniciais da pianista, seja no simples fato de o espetáculo avisar, via bonecos, que se vai assistir a mais uma retomada do clássico triângulo formado por arlequim, pierrô e colombina; antes mesmo de Antônio e Bernardo, os ciganos, iniciarem sua disputa por Ana, o Teatro Feliz Meu Bem trava, com bons resultados, diálogo necessário com ironia. O que seca um pouco as arestas mágico-nostálgicas que, por vezes, poderiam dominar o espetáculo e dar-lhe um tom de simples revival circense ou chapliniano. Mas o humor invade, com delicadeza, A Idade do Sonho e faz dele mais um belo espetáculo da dupla Vicente Maiolino e Tônio Carvalho e do grupo Teatro Feliz Meu Bem.