Matéria publicada no Jornal Correio da Manhã – Coluna Teatro
Sem Identificação – Rio de Janeiro – 16.10.1948
Pela primeira vez no Brasil, um teatro de atores adultos para crianças
A meia noite e meia de hoje, no Ginástico realizar-se-á a “avant-première” de O Casaco Encantado, de Lucia Benedetti, para a critica, artistas de todas as artes, alunos do “Seminário de Arte Dramática”, elementos do “Teatro Experimental de Ópera”, sociedade, etc.
É um fato raro esse, de uma peça ser apresentada pela primeira vez, quando os outros teatros se fecham. Isso permitirá que atores e atrizes de outros elencos possam comparecer ao Ginástico a fim de aplaudir a primeira tentativa que se faz no Brasil de um teatro de adultos para crianças.
Fomos informados que a Sra. Henriette Morineau dirigiu convite aos elencos de Procópio Ferreira, Dulcina-Odilon, Alda Garrido, Portuguesa de Revistas, Recreio, Chianca de Garcia, Teatrinho JardeI, Aimée, Sandro para que compareçam ao Ginástico, depois de seus espetáculos para a “avant-première” de O Casaco Encantado.
Fala-nos Lucia Benedetti, autora de O Casaco Encantado
A romancista de Entrada de Serviço, que a lançou na vida literária, logo lhe deu uma posição de relevo entre nossos escritores, não se furta à nossa curiosidade.
Confessa que escreveu antes, para crianças, um livro de histórias publicado, pela Livraria do Globo Chico Vira Bicho e Outras Histórias. Era sua intenção continuar escrevendo para crianças, que são o publico mais fascinante. Mas o trabalho de escrever levou-a para outros caminhos. Um dia Francisco Pepe, irmão de Raul Roulien, tinha um projeto na cabeça, queria criar um teatro de atores adultos para crianças. Fez-lhe uma proposta, escrever a peça inaugural. Meteu-se na obra, saiu assim O Casaco Encantado, Francisco Pepe, porém, não conseguiu levar avante seu intento.
Ficou a peça, lida por seus amigos, até que caiu nas mãos de Henriette Morineau, que se entusiasmou pelo texto e quis lago encená-la. A artista que tem proporcionado à nossa plateia um teatro de primeira classe, chamou logo seu primeiro ator Graça MeIlo para diretor dessa peça em que será a mulher do feiticeiro, que apanha surras e atravessa à cena montada num cabo de vassoura.
O maestro Massarani – continua Lucia Benedetti – escreveu o fundo musical, que é realmente lindo. Graça MeIlo tem-se desdobrado em dar à peça o melhor de si mesmo. Todos os artistas, com Henriette Morineau à frente, tudo tem feito para que O Casaco seja mesmo encantado. Quanto a Nilson Penna, que vai estrear coma figurinista e cenógrafo, tem sido infatigável no seu entusiasmo e no seu trabalho.
Quando o diretor e os intérpretes amam uma peça e seus personagens
Graça MeIlo, diz: – “é esta minha primeira aventura em direção Casaco Encantado é um mundo fascinante saindo do autor e desdobrando-se nas mãos do diretor e interpretes. Maria Castro, que vai ser a Avozinha – Conta à história do começo ao fim.”
As crianças vão gostar tanto da peça quanto eu ou muito mais Henriette Morineau: – “é este um papel difícil, pois sou a mulher do bruxo, que me bate. E ando de um lado para outro no ginete de uma vassoura. Se me rio a cada instante, como não se divertirão os pequeninos?”
Dary Reis – “meu papel é do alfaiate que costurou o casaco do Rei. A princesa acaba gostando de mim, será que os espectadores de meio palmo vão gostar de mim também?” Jacy Campos – “Deram-me uma manta real, uma coroa e uma barriga imensa. Rei de fantasia. Esta peça é uma delicia.”
A. Fregolente – “Viro sapo, sabe? Um sapo que pede quem lhe faça cafuné. Em francês e em inglês o verbo representar que dizer divertir-se. Nesta peça eu me divirto representando. E muito.”
Orlando Guy: – Deram-me dois papéis, o de manequim que dança e o de ministro de barbicha. Gosto muito de ambos”.
Flora May – “Sou a Princesa que liberta o alfaiate e o salva da morte decretada pelo Rei. Meu traje como na história da Borralheira, é de gaze salpicada de estrelas. Depois de tantos papéis sofredores, será uma boa experiência rir e fazer rir com um personagem.”
Nieta Junqueira, Lucille Perrone, Margarida Ray são pagens. A primeira diz – “O que mais gosta é da franjinha que usarei”. A segunda é de opinião que “nunca Madame Morineau acertou tanto como na escolha desta peça”. A terceira confessa: “Não paro de rir com meus colegas metidos num mundo diferente, imaginário.” Graça MeIlo, que fará o papel de Bruxo gosta tanto dele como da direção da peça.
Nilson Penna – o novo cenógrafo e figurinista
Desde que começamos a ensaiar peça da Lúcia, não descansei um só instante – começa Nilson Penna: – “figurinos, cenários, adereços para as cenas, móveis, pormenores para a indumentária. Mas estou contente com essa oportunidade de aparecer como figurinista e cenógrafo Faz-me bem pensar que nossas crianças, tão desamparadas de divertimentos, não foram esquecidas pelos “Artistas Unidos”. Depois de O Casaco Encantado virão outras peças. Pode-se lá prever o que resultará de todas essas experiências? Talvez delas surja um teatro definitivo, de repertório escolhido e espetáculos diários, de artistas adultos representando para crianças.”
Com o maestro Massarani
– “Então, maestro, a música de O Casaco Encantado é sua?”
– “É e não é.”
– “Como?”
– “Parte dela é estilização de uma canção que a autora, aprendeu em São Paulo,
quando menina.”
O exemplo de “Os Artistas Unidos” precisa ser copiado
Como? Outros elencos devem montar peças para crianças, por muitas e muitas razões.
Para obrigar que meninos e meninas compareçam aos teatros, criando “o hábito de ir ao teatro”, como vão à praia, aos cinemas, assistem a partidas de futebol, etc. É preciso diverti-las, educar-lhes o espírito por intermédio de espetáculos sadios de texto e interpretação.
Nunca tivemos uma companhia de adultos representando para crianças. Tivemos é certo, um “teatro infantil”, da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, de crianças para crianças. Há, com imenso sucesso, o “Teatro do Gibi”, de fantoches, há o “teatrinho” de sombras, marionetes, bonecos da “Sociedade Pestalozzi”, no Leme. Há em duas ou três praças cariocas pequenos palcos com marionetes.
Em geral, pais e governantas, tutores e tios, não têm aonde conduzir seus filhos, patrõezinhos, tutelados e sobrinhos.
O Teatro Infantil da A.B.C.T. e outras iniciativas semelhantes
Nossos criticas teatrais mantiveram durante muito tempo, um “Teatro Infantil” que realizava belos espetáculos no Carlos Gomes. Dele saíram artistas hoje conhecidas como Salomé Cotelli e Diva Pieranmti.
A atual diretora da Escola Nacional de Musica, a maestrina Joanídia Sodré dirigiu durante anos, uma Orquestra Infantil. O asilo Anália Franco apresentou, há cerca de dez anos, sua orquestra de infantes. Corais formados por meninos e meninas têm merecido elogios da critica e do publico, tais como o organizado pelo Abrigo Tereza de Jesus.
A beleza do Conjunto Coreográfico Brasileiro e a promessa do Teatro do Polichinelo
A “União das Operárias de Jesus” tornou a si a tarefa de dar ao Brasi o seu maior conjunto de baile, com artistas recrutados entre suas duas centenas de crianças. O Conjunto Coreógrafo Brasileiro que serviu de propaganda a nossa sensibilidade no Prata, hoje é um dos orgulhos do Brasil, triunfando nesta semana em Belo Horizonte, onde tem dançado para casas esgotadas.
Na mesma “União” prepara-se o “Teatro do Polichinelo”, de crianças para crianças sob a direção geral de dona Ester Leão. Para essa instituição por todos os títulos admirável os “Artistas Unidos” farão reverter à renda de amanhã às 10 horas da manhã. Segunda, terça, quarta, quinta e sextas-feiras próximas O Casaco Encantado será repetido em vesperais.