O Grupo de Contadores de Histórias Morandubetá estreia no palco com uma versão adulta e outra infantil de clássicos de Shakespeare

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 08.03.1998

 

A Difícil Arte dos Contadores de Histórias

Em tupi-guarani, Morandubetá, nome do grupo que apresenta no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil Histórias de Shakespeare, quer dizer “muitas histórias”. E é isso que eles vêm fazendo desde 1990, quando se reuniram. A ideia nasceu em 89, quando Eliana Yunes, uma das fundadoras do grupo, assistiu num seminário em Buenos Aires o Grupo Enquanto Contos, uma trupe diferente que contava suas histórias sem mostrar figuras ou apelar para o didatismo professoral que comumente acompanhava os contadores mais convencionais. Nesses oito anos de existência, muita coisa mudou no estilo do Morandubetá. O resultado dessa viagem literária está agora em cena com ares mais teatrais, sem que com isso se perca a verdadeira proposta do grupo: contar histórias.

Para a estreia no palco Shakespeare foi o autor escolhido. Num mix bem encadeado, estão em cena: Hamlet, Romeu e Julieta, Muito Barulho Por Nada e A Megera Domada. Na direção, André Paes Leme optou por escolher estilos distintos de narrativa para cada história. Algumas são mais contadas, outras mais encenadas e, numa terceira opção, de calculada ousadia, o diretor apresenta simultaneamente no palco Romeu e Julieta e Muito Barulho Por Nada como histórias entrelaçadas, a primeira só narrada por Eliana Yunes e a segunda narrada e encenada por Benita Prieto, Lucia Fidalgo e Celso Sisto, onde expõe o trágico e o cômico numa mesma cena.

Nessa estratégia, a atenção do público se volta inteiramente para a comédia e seu natural colorido. O belo texto de Romeu e Julieta serve mais como pretexto de respiração, do cômico para o trágico, e essa, no caso, é desnecessária, já que estão em cena contadores e não autores preocupados com a verdade de seus personagens.

Essa preocupação com o palco do ator na maioria das vezes inibe o contador do espetáculo. Alguns textos titubeantes poderiam ser substituídos no palco, já que a oralidade permite essa conversa mais íntima com o espectador. Nesse tipo de espetáculo, o que poderia se chamar de erro, como tropeçar numa palavra, ou esquecer a próxima fala, não deveria ser um problema. Está em cena o contador e este, como artista popular que se propõe a ser, não se intimida com o público. Pelo contrário, adapta sua narrativa de acordo com a plateia a ser conquistada e não com medo dela.

Nesse espetáculo de contadores, o aparato teatral não foi esquecido. Mesmo que se perca a intenção da reunião para ouvir o menestrel, os cenários de Carlos Alberto Nunes, sem muitas invenções, dão cor local à época. Da mesma forma, os figurinos de Luciana Maia vestem o elenco apenas reforçando a temporalidade. Já a iluminação de Aurélio de Simoni é uma excelente aliada cênica para as mudanças de clima da história. Outra grande contribuição ao espetáculo é a participação do grupo Agrafus, de música antiga, em belíssima interferência.

Histórias de Shakespeare é um espetáculo ainda à procura do seu tempo ideal. Nessa busca, os contadores por certo encontrarão o tom intimista que fizeram de suas apresentações anteriores um modelo para os muitos grupos de contadores que vieram no seu rastro. Cotação: **