Priscila Camargo sob a direção de Cacá Mourthé em Histórias da Mãe África: recontando antigas histórias sobre mitos e lendas africanos

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 22. 04. 2004

O Poder Mágico da Palavra

Carisma de Priscila Camargo como contadora de histórias encanta o público. Espetáculo apresenta contos densos de forma ágil e leve

Imperdível é a palavra certa para se falar de Histórias da Mãe África, com a atriz Priscila Camargo e sob a direção de Cacá Mourthé, em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema. O espetáculo é uma sessão de contador de histórias em que nove contos africanos, muito bem selecionados, encantam palco e plateia. É o mistério do contar, o poder da palavra que domina a cena.

A pesquisa busca encontrar “histórias fundantes”, as que mais se aproximam dos relatos primitivos, mantendo, assim, a essência dos contos, adaptados pela própria atriz. Resgatar e recontar essas histórias originais que nos falam dos mitos e lendas africanos, dos deuses, orixás e tradições, é falar de nossa identidade cultural.

Este é um espetáculo diferenciado. Uma contadora de histórias, cercada de todo um aparato teatral, busca uma nova forma de expressão que reúna o dizer do contador e o fazer do ator. Já há algum tempo atores e contadores buscam esse caminho. Mas poucos têm conseguido bons resultados. Priscila Camargo consegue reunir estas técnicas e encontrar uma expressão peculiar, personalíssima, abrilhantada pelo seu carisma e pela voz cativante que seduz o pequeno ouvinte.

Em cena não está a atriz e sim a contadora de histórias que, por ser atriz, aprimora o seu contar, com o gesto limpo, a movimentação adequada , a precisão do ator. E assim como o canto da sereia encanta pescadores, Priscila encanta o pequeno espectador, que, com os olhos brilhando, mergulha no universo mágico que se concretiza diante dele através da palavra.

O espetáculo “é simples”, como diz a diretora Cacá Mourthé, e exatamente aí reside sua grande qualidade, sua simplicidade e delicadeza emocionam e também fazem rir. Além disso, é ágil, leve pela forma e ao mesmo tempo denso pelo repertório de histórias selecionadas. É colorido, rítmico e musical, encantatório.

O cenário, de Chico Spinosa, feito de transparências leves e pesadas esculturas de madeira, cria um clima intimista que remete ao imaginário africano, essencial para a “contação” de histórias. Tudo isto é banhado pela sutil luz de mestre Aurélio De Simoni, que, mais uma vez, generosamente, coloca sua sensibilidade e experiência a serviço do espetáculo.

O figurino, também de Chico Spinosa, além da beleza plástica, sublinha o afro de modo simples e forte, pontuando o foco central: a contadora de histórias. Em cena, a assinatura de Cacá Mourthé: ritmo, leveza, movimentação e humor. No quarto trabalho desse gênero, Priscila Camargo brinca, canta, dança, joga, se diverte em cena. É a mão da premiada diretora, que também imprime unidade ao espetáculo, em um de seus mais sensíveis trabalhos.

A sequência de histórias é costurada pela música ao vivo, composta pela própria Priscila Camargo e Via Negromonte, que também faz a direção musical e cria o gestual coreográfico na medida certa para uma contadora de histórias. A música se torna parte integrante do espetáculo porque também “conta” história, dando cadência e contagiando a plateia com seu ritmo forte.

Muito interessante a presença da figura do griot em cena. Assim se chama o tradicional contador de histórias na África. Priscila Camargo invoca o espírito do griot que depois entra em cena representado por um boneco. Senta-se num banquinho, como fazem na África, e Priscila fica em outro banco. A partir desse momento, ela é o nosso griot. Outros bonecos também entram no palco e uma das únicas ressalvas ao espetáculo, senão a única, é exatamente a que diz respeito à construção deles, pois lhes falta anima, não só na forma, como na manipulação. A linguagem de animação poderia ter sido melhor explorada.

No panorama atual, com alguns espetáculos infantis equivocados, é prazeroso ver em cena Histórias da Mãe África, que busca uma linguagem própria e que cativa a criança com uma linguagem econômica, exata. O espetáculo começa exatamente como os griots iniciam suas histórias em Cabo Verde, dizendo: “storia, storia”, e a plateia respondendo “Fortuna di céu, amém!”. E, no final, todos saem do teatro com um sorriso tranquilo, um andar feliz – a história transforma, a palavra cura.

Histórias da Mãe África
Direção: Cacá Mourthé. Com Priscila Camargo. Casa de Cultura Laura Alvim. Sábado e Domingo, 17h. R$ 15