Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 21.12.1996
História simples e uma versão bem-humorada
A História de Topetudo, peça em cartaz no Teatro Cândido Mendes, é um desses raros achados teatrais que chega ao público como agradável surpresa neste finalzinho de temporada. Com texto de Ana Barroso, Mônica Biel e Thereza Falcão, inspirado no conto original de Charles Perrault, o espetáculo, dirigido por Thereza Falcão, é a perfeita tradução da mágica teatral. Aquela que se realiza sem apagar o brilho do principal elemento em cena: no palco, para a alegria da plateia, uma história e muito teatro.
Ana Barroso e Mônica Biel – que além de assinarem o texto são as únicas atrizes em cena – se revezarem em diversos papéis e já encenam a peça em espaços não convencionais há algum tempo. Para a atual montagem, desta vez num teatro, contam com a colaboração preciosa de Thereza Falcão na regência. A diretora, aproveitando o máximo das potencialidades, tanto do texto quanto das atrizes, concebe um espetáculo de desconcertante simplicidade. O resultado é revelador.
A História de Topetudo, em seu original, é um conto provavelmente foi bastante modificado pela tradição oral. No reino dos Topetudos nasce Riquet, um príncipe muito feio, mas muito inteligente, que, graças à sua fada madrinha, tem o dom de tornar brilhante o alvo de sua paixão. Tempos depois, em outro reino, nasce à princesa Clarabela, tão linda quanto burra, que também por obra da magia tem o poder de tornar belo aquele por quem se apaixonar. O encontro dos dois fenômenos é esperado e tem final feliz previsível.
Mas se o que restou de Perrault, não desperta lá muita curiosidade, o texto de Ana Barroso, Mônica Biel e Thereza Falcão chega ao palco com o melhor do bom humor, numa crítica enxuta aos contos de fadas. Melhor ainda: usando a lógica sincera das crianças no desmonte da situação. Assim, quando a fada dá à princesa burra o dom de tornar inteligente seu amado, sua mãe, que deveria ficar muito agradecida, rebate furiosa a inutilidade do predicado. Ao final, o personagem Riquet, já amado por Clarabela e que, portanto deveria estar lindo, mas continua tão feio como nasceu, tem discutida sua transformação sem muita cerimônia. É a sinceridade das crianças em cena, sem maiores apelações pedagógicas.
No palco, Ana Barroso e Mônica Biel, cheias de recursos de comicidade, e sem nenhum humor óbvio, vivem seus diferentes personagens muito bem elaborados. As trocas rápidas de figurinos, incrivelmente realizadas no minúsculo espaço do teatro, dão movimento à cena e à condução da trama, sem que esses sejam os principais atrativos do espetáculo. Sem nenhum show de ritmo, a direção de Thereza Falcão leva a peça na medida da plateia. O tempo necessário para digerir as situações é colocado na cena com precisão irretocável.
O espetáculo tem ainda figurinos tão eficientes quanto bonitos de Bia Salgado, adereços cênicos, na mesma linha, de Alexandre Pring, músicas de Newton Cardoso e luz completamente afinada com a proposta da encenação de Dimitri Martinovich.
A História de Topetudo é um espetáculo enxuto, bem-humorado e, principalmente, muito bem realizado. Chegou para fechar a temporada como um delicioso presente de fim de ano.
Cotação: 4 estrelas (Excelente)