Crítica publicada no Jornal do Commercio
Por Carlos Augusto Nazareth – Rio de Janeiro – 25.01.1997

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A História de Topetudo

Adaptação do conto de Perrault encanta as crianças

A História de Topetudo é uma adaptação livre do conto de Charles Perrault – Riquet Topetudo. Conta a história de um menino muito feio, mas muito inteligente, filho de uma rainha e que recebeu, de sua fada madrinha, a graça de tornar inteligente a moça por quem se apaixonasse; e de Clarabela, “de todas a mais bela”, mas totalmente desprovida de inteligência, filha da rainha do reino vizinho. A história segue narrando o encontro destes dois personagens opostos e complementares.

O espetáculo criado por Ana Barroso e Mônica Biel é resultado de uma longa caminhada. As duas, com formação iniciada no Tablado, e que desenvolvem há anos um trabalho de dupla, vêm apresentando uma versão simplificada de Topetudo há seis anos, em circuito alternativo.

De modo que, quando um espetáculo como este se torna o grande sucesso do final da temporada de 1996, se confirma que sucesso é um fenômeno inesperado, mas, na maioria das vezes, resultado de um longo trabalho, árduo e consequente.

A história é contada através de dois clowns: Lasagna e Ravioli, que brincam, em total cumplicidade com o, público, de fazer teatro. As duas atrizes assumem, ao longo do espetáculo, dezoito personagens, além do próprio narrador, surpreendendo o público a cada entrada, ou revelando, cena aberta, a mudança destes papéis.

O fato de estar sendo contada por dois clowns torna possível a introdução de uma visão crítica; possibilita comentários, repetições e apartes que clareiam e conduzem a narrativa de forma objetiva. O universo vocabular do texto e as próprias construções dos diálogos estão em absoluta sintonia com o público a que se destina, sem deixar de ser instigante, ágil, crítico e inteligente.

E é a introdução da linguagem do clowns, através destes dois palhaços, contando e fazendo a história, que cria uma linguagem própria do espetáculo – mérito difícil de ser alcançado – e que não é exatamente a do clowns, mas onde a percebemos também presente, como a da Commedia deI’ Arte, da mímica, enfim, dos inúmeros recursos utilizados, como instrumental, pelo elenco.

Mônica Biel constrói seu personagem sobre a técnica, pleno, no entanto, de emoção; já Ana Barroso é uma atriz que trabalha a partir da emoção e que se serve da técnica, e de sua natural veia de humor. Esta combinação e complementação da dupla, além do imenso prazer que passam ao público de estarem em cena, fazem da atuação das duas atrizes a grande atração do espetáculo.

A direção de Tereza Falcão, chamada a redimensionar Topetudo para o palco, dá, à narrativa cênica, um percurso claro e ágil, sem quebra de continuidade, apesar dos diversos momentos que a compõem: a multiplicidade de personagens, assumidos por apenas duas atrizes, as inúmeras trocas de roupa, as mudanças de espaço e tempo, utilização de bonecos e música. Todos estes elementos se integram de modo harmônico e eficiente, criando um espetáculo de fácil compreensão e grande empatia.

Complementando o duo básico da encenação, simplicidade e criatividade, os figurinos de Bia Salgado são um achado de bom gosto, com perucas e adereços de cena sempre muito bem utilizados.

Ana Barroso e Mônica Biel também assinam o cenário, objetos de cena, bonecos e o texto – juntamente com Tereza Falcão -, além da produção e realização. É sem dúvida um trabalho autoral – e da melhor qualidade.

A luz, sempre competente, de Dimitri Martinovich, e a música de Newton Cardoso complementam, com eficiência, a montagem.

O melhor termômetro, no entanto, para esse trabalho é o teatro sempre lotado e as crianças satisfeitas ao término dele, por terem assistido a um divertimento de inegável qualidade, produzido com cuidado e competência; o que prova que existe público para o teatro, e que quando aquele se afasta deste tem sempre boas razões. A História de Topetudo contribui para trazer de volta o público infantil ao teatro. Imperdível.