Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 21.03.1975

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História de Lenços e Ventos: uma experiência estética

A atmosfera é mágica e contagiante. O som envolve. Existe, no ar, algo comovente, belo, indefinível: um misto de deslumbramento visual, música serena e penetrante, movimentos tão suaves de tão simples, uma ternura falsamente escondida, um enorme carinho nos gestos.

A riqueza maior de História de Lenços e Ventos está na sua capacidade de deslumbrar de um modo simples: está na capacidade de atingir nossa sensibilidade de uma maneira pouco elaborada intelectualmente e sem exuberâncias. E, apesar de tudo, eis aí um espetáculo que se pode classificar de exuberante. No palco (apertado e limitado) do teatro Opinião, desencadeia-se, de repente, um maravilhoso mundo mágico que envolve adultos e crianças. O que se encontra ali é uma historinha banal, parecida com tantas outras; mas o que a faz diferente é a maneira rica, atraente e tão cheia de sensibilidade utilizada pelo grupo para contar a história do lenço Azulzinha que tem como sonho, o desejo de brincar alegremente com o vento. As pessoas que deixaram seus escudos de lado e se envolveram com a humana luta do Fernão Capelo Gaivota certamente vão se desguarnecer – novamente – e se integrar nas possibilidades maravilhosas de experiência, de descobertas, de aberturas para o mundo, de disponibilidade perante a vida que existem no desejo de Azulzinha de brincar com o vento sudoeste, com o vento da madrugada, com o modesto e humilde sopro da brisa.

O elenco funciona de modo bastante harmonioso e, para que tal harmonia pudesse ser ainda maior, o ideal seria que Ilo Krugli dividisse mais a liderança do espetáculo. Os atores (Ilo, Sylvia Heller, Beto Coimbra, Silvia Aderne, Regina Costa, Richard Roux e Arnaldo Marques) têm pleno domínio do que estão fazendo, demonstram comunicabilidade e expressividade e sabem trabalhar as crianças. Mas, apesar da homogeneidade, é justo destacar o trabalho de Silvia Aderne: um rico jogo de expressões, coloridas inflexões, um tempo precioso. O elenco tem consciência de seu objetivo: contar uma história para crianças; e conta-la de modo teatral. A simplicidade da proposta é que estabelece o bom nível do espetáculo: os elementos teatrais são utilizados de modo dinâmico, sensível, dramaticamente efetivo. O que acontece com as crianças é que elas penetram num mundo mágico e se deixam levar. E a grande significação desse se deixa levar está no fato de que toda a criação do mundo mágico é feita sem truques, à mostra das crianças, num teatro nada ilusionista. Mas, vejamos: o que seria mais, criativamente teatral? Uma chuva obtida através de apuradas técnicas, ou a simplicidade e riqueza daquela chuva feita na cara de todos com uma lata furada? É nesta concepção cênica que o espetáculo se aproxima tão violentamente da sensibilidade infantil.

A feitura do dragão me parece à sequência mais rica: a ação dos atores, os objetos utilizados, a música, o ritmo e a atmosfera estabelecem um verdadeiro momento de teatro. Teatro que não é só para crianças, mas, também para adolescentes e adultos. História de Lenços e Ventos constitui aquela agradável e rara oportunidade que os pais te de levar os filhos ao teatro sem se aborrecer com as infantilidades do teatro infantil. Ali, os atores não falam com acrianças como débeis mentais; ali, não existe nenhuma preocupação falsamente didática ou moralizante. Existe a preocupação de fazer teatro. O que é mais importante em História de Lenços e Ventos é o fato de que, antes de ser um espetáculo para uma plateia infantil, História é, essencialmente, um bom espetáculo de teatro. Ou seja: uma experiência estética.