Crítica publicada no Estado de São Paulo – Teatro Infantil
Por Rui Fontana Lopez – São Paulo – 17.01.1987

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Lenços e Ventos, jogos que derrotam a tirania

Indagado certa vez sobre como deveria ser o teatro para crianças, o mestre russo Stanislavsky respondeu: O teatro infantil tem de ser como o adulto; só que muito melhor. O Teatro Ventoforte com o espetáculo História de Lenços e Ventos, de Ilo Krugli, prova ter aprendido como poucos o ensinamento. Estreado em 1974 e remontado diversas vezes Lenços e Ventos cumpriu carreira nacional e internacional, ganhou prêmios, foi consagrado pela crítica especializada e, sobretudo, conquistou o público.

Remontado em 1980 Lenços e Ventos foi novamente premiado (Grande Prêmio da Crítica e Melhor Espetáculo Infantil de 1980, segundo a Associação Paulista de Críticos de Arte) e agora pode ser visto e revisto no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca. Que mistérios encerra o belo espetáculo de Ilo Krugli e do Teatro Ventoforte?

A estreia de Lenços e Ventos, em 1974, transformou o teatro infantil brasileiro, rompendo com as fórmulas e métodos consagrados e tradicionais de fazer teatro para crianças. O espetáculo subvertia a narrativa, dava vida a personagens simbólicos e a seres inanimados, resgatava para a cidade a magia da cultura popular expressa no teatro de bonecos, celebrava temas e mensagens proibidos e esquecidos, tudo numa grande festa para os olhos e para o coração.

Nesses sete anos, a lição de teatro do Grupo Ventoforte frutificou e foi assimilada por diversos grupos, diretores, dramaturgos e atores; talvez por isso seu impacto renovador, conceitual e formal, já não seja o mesmo. Contudo, História de Lenços e Ventos, nesse período, aprimorou sua afinação como espetáculo de teatro, enriqueceu sua carga simbólica e apurou sua beleza. Hoje, este musical para atores, fantoches, bonecos e crianças é um permanente destilar de poesia, alegria e emoção.

Lenços e Ventos são as brincadeiras e jogos infantis nos quintais, ruas e praças; é um jogo de montar e imaginar, um sonho bom de sonhar. As brincadeiras e jogos da peça pouco a pouco dão lugar à estória principal, tecida com carinho por atores e crianças. É a aventura de Azulzinha, delicado lencinho azul, e Papel Coração de Celofane, simpática folha de jornal com olhos, nariz, boca e um coração boníssimo, contra o Rei Metal Mau e seus soldados.

É noite, sopra uma suave brisa no quintal, as roupas, panos e lenços pendurados conversam. Azulzinha está desanimada: quer viajar, conhecer novos lugares, aventurar-se mundo a fora. A brisa começa a soprar mais forte, anunciando a chegada do Vento da Madrugada, violento vendaval que leva Azulzinha embora. Depois de muito voar acaba chegando ao terrível Castelo Medieval e feita prisioneira pelo Rei Metal Mau.

Lenços, atores e crianças partem à procura de Azulzinha, liderados por Papel Coração de Celofane, personagem forjado nos ideais de liberdade, justiça, confiança e bondade. O caminho para libertar o pequeno lenço é cheio de peripécias, brincadeiras e perigos. Finalmente chegam ao Castelo Medieval; é a véspera do confronto entre a liberdade e a opressão, a bondade e a maldade, a justiça e a injustiça. Papel enfrenta e derrota a sombra, pois o poder não quis se mostrar, do Rei Metal Mau; lenços, atores e crianças – simbolizados por um lindo dragão colorido a que se dá vida em cena num inesquecível momento de dança e música – enfrentam e derrotam os soldados da tirania. Azulzinha é resgatada: triunfam a justiça, a liberdade, o amor. Todos podem voltar aos quintais e o jogo está pronto para recomeçar.

Em torno desta estória o Teatro Ventoforte edifica um espetáculo maravilhoso. Figurinos e cenário, simples e de grande beleza, aliam-se à música, linda e contagiante, integrando-se ao espetáculo de forma perfeita. Atores se entregam com verdade e emoção ao trabalho de construir este espetáculo radiante. A manipulação de fantoches e bonecos, sobretudo quando feita por Ilo Krugli, é nada menos que comovente.

Poucas vezes o teatro, adulto ou infantil, soube transmitir com tanta felicidade tão extraordinária população de emoções. História de Lenços e Ventos é um luminoso momento de afeto entre o teatro, a vida, o público infantil e as crianças adormecidas em nós.