Em História de Lenços e Ventos, Ilo Krugli e o Grupo Ventoforte voltam a contar a poética trajetória de Azulzinha

Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 24.04.1981

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Um fim de semana cheio de Lenços e Ventos

Já há algum tempo que o espectador infantil não tem a oportunidade de ver ou rever um espetáculo tão marcante na história do teatro infantil no Brasil, como é o caso  de História de Lenços e Ventos, que volta a cena com direção do seu criador original, Ilo Krugli, apenas por um final de semana no Teatro Dulcina, dando início ao quarto ano do Projeto Mambembinho do Serviço Nacional de Teatro. Trata-se de espetáculo marcante, não apenas porque redefinir o próprio “teatro infantil”, como também, porque da montagem original de 1974, no MAM do Rio de Janeiro, saíram alguns dos profissionais mais ativos na área  dos espetáculos para crianças hoje. Se Ilo Krugli mudou-se para São Paulo, onde mantém o seu grupo e realiza permanentemente cursos e experiências de criação para crianças e adultos na “Casa do Ventoforte”; ficaram no Rio de Janeiro figuras como Silvia Aderne e Beto Coimbra, atualmente do Grupo Hombu; e Caíque Botkay, que trabalharam com Ilo na primeira versão de História de Lenços e Ventos.

História de Lenços e Ventos, mais do que a narrativa de uma imensa vontade de voar, mostrou aos encenadores ligados ao teatro infantil que não preciso gastar rios de dinheiro numa superprodução para se ter um bom espetáculo. Com panos, lenços e folhas de jornal, Ilo Krugli conseguiu dar vida a uma montagem inesquecível para quem pode vê-la no MAM em 1974. E que chegou a receber de Ana Maria Machado o seguinte comentário, quando de sua recriação no Teatro Gláucio Gill em 1976: “Pessoalmente, já vi esse espetáculo cinco vezes, em palcos diferentes de diferentes cidades – não só ele se mantém um dos momentos mais comoventes de minha experiência de espectadora, mas a cada vez descubro novas coisas”. Isso é o que parece ter ocorrido também com o Grupo Ventoforte. Não só o grupo se transformou, como o próprio espetáculo, remontado ano passado em São Paulo e considerado pelos participantes do grupo como o que “talvez mais define a nossa linguagem e a nossa postura frente aos conflitos de todos nós e que podem ser detectados no ar”. Daí a remontagem. Daí a reafirmação do desejo da personagem-lenço Azulzinha de voar. Ou, em depoimento do grupo: “ele significa para nós a recriação do quintal, das primeiras experiências com o mundo, das brincadeiras de teatro que ainda não têm esse nome. Dar vida a uma lata, dar sentimento a uma vassoura ou a um balde velho ou um pedaço de jornal pode não ter significados fáceis de sintetizar em palavras mas é isto que a criança faz todos os dias nas suas brincadeiras de quintal, de rua, de telhado ou até de quarto, como o grande ritual poético de transformamos junto com a vida”.

Todo o espetáculo se passa em meio a objetos jogados aparentemente ao léu, atores,bonecos, lenços que desejam voar e um papel que sabe “voar, andar, girar pelo ar”. E marca um dos momentos mais expressivos de História de Lenços e Ventos, não apenas pela belíssima música de Caíque Botkay e Beto Coimbra, como pelo jogo teatral com a folha de jornal, o fogo, a água e a morte do Papel. Dizia Yan Michalski em 1974: “Todos nos sofremos na própria carne a morte deste pedacinho de papel magicamente transformado em personagem. Mas a maneira poética pela qual esta morte é cenicamente proposta faz com que o sofrimento não se transforme em desespero: o personagem Papel morreu queimado, mas antes disso já vimos que basta um novo pedacinho qualquer de papel para criar um novo personagem chamado Papel tão querido quanto o primeiro Papel. “Trata-se antes de mais nada, de uma lição da capacidade de se transformar e recriar  plástica e teatralmente um número bem reduzido de matérias cênicos. É História de Lenços e Ventos que dá a partida para espetáculos como o Fala Palhaço do Grupo Hombu, para criação de objetos inusitados de Chapeuzinho Amarelo, para os jogos com panos de Com Panos e Lendas para as transformações constantes do Duvide-o-dó do Grupo Navegando. E dá partida para as suas próprias transformações. Para um grupo cujos componentes já mudaram várias vezes e para um espetáculo que é capaz de ser recriado seis anos depois pelo mesmo diretor-autor Ilo Krugli.

Fora História de Lenços e Ventos, programa quase obrigatório deste fim de semana, opções igualmente excelentes são Passsa, Passa Tempo, no Cacilda Becker; Chapeuzinho Amarelo, na Aliança da Tijuca; João e  Maria, no Tablado; O Gran Bartholo Circus na Praça Onze. Em final de temporada: Vamos Brincar, no Teatro Gláucio Gill; a exposição Hoje Tem Marmelada, no Museu dos Teatros; e Coisas? Adoro Coisas, no Parque Lage. Além de Sonhe com o Ratinhos, no Teatro do Planetário; Simbad, no Teatro Ipanema; Amigo ido… Catibirido, no Teatro Cândido Mendes; O Anel e a Rosa,no Teatro Arthur Azevedo, em Campo Grande; e Os Causos de Pereira e Picareta, no Teatro Aurimar Rocha. E sobretudo, a possibilidade de se assistir a um espetáculo como História de Lenços e Ventos,cuja origem foram as aulas de criatividade que Ilo Krugli dava em 1974 para um grupo de professores em Nova Iguaçu, e que também para ele foi adquirindo novos significados. Tão mutáveis quanto o numero de remontagens, o contexto e os diferentes públicos para  que tem se apresentado. Tão mutáveis quanto  os materiais frágeis e capazes de infinitos transformações, de que se utiliza em cena. Mutáveis e frágeis o suficiente para, como os lenços e ventos, darem contornos mágicos à nossa fantasia (bem semelhante à da personagem Azulzinha) de voar.