Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 25.05.1998
Espetáculo de surpresas
No tempo em que compact disc era só um disquinho que tocava na vitrola, as crianças podiam ouvir suas histórias num modelo colorido desse revolucionário produto musical. As trilhas criadas pelo compositor Braguinha para esses contos de fadas ultrapassaram os limites da sucata afetiva dos quarentões e hoje fazem parte do repertório do novo público. Recuperando essas cantigas, a diretora Karen Acioly apresenta no Teatro Lamartine Babo, do Centro Cultural da Light, sua versão para o palco da obra de Braguinha: A História da Baratinha, uma peça que vai muito além da trilha já conhecida. A versão de Karen Acioly para esta história tirada do folclore português, onde a heroína já é quase senhora passando da idade de se casar, chega ao palco numa mistura de época onde se tem um pouco das comédias de costumes brasileiras, do teatro lírico, das chanchadas e até dos musicais hollywoodianos dos anos 40.
Não fugindo do tema musical, Karen criou cenas de ligação que movimentam a ação no sentido do inesperado. A cada pretendente que não se encaixa nos padrões, a protagonista voa pela boca de cena explicitando sua recusa. Esses mesmos pretendentes, ao contrário de formar uma turma de antagonistas, reagem como um fechado clube masculino e, no bar, no bar onde vão chorar suas mágoas, criam uma das cenas mais interessantes da peça. Como se tudo acabasse em samba, fazem dos seus diálogos de lamúrias uma batucada onde o instrumento musical é o parceiro mais próximo. O famoso tapinha nas costas vai crescendo quase ao soco sem perder a musicalidade . Um achado.
No elenco, Sofia Torres faz Dona Baratinha, em registro de voz em falsete sem se tornar monocórdia. O recurso tira da protagonista o supérfluo glamour das princesinhas e a traz mais para perto da plateia. Na vida real, ninguém tem a voz dos estúdios. Disney. Fernando Sant’Anna tem ótima composição de humor no Cabrito, assim como Marcelo Escorel no Dom Ratão, mas a surpresa fica mesmo com Avelar Love, cantor/ator dos Miquinhos Amestrados, que faz um Boi galã no melhor estilo dos novelões. A cena se completa com o canto irrepreensível das meninas da Orquestra de Canto de Agnes Moço.
Abusando dos tules cor de rosa, das flores e dos laçarotes, os cenários de Lídia Kosoviski criam um ambiente de festa de casamento onde não faltam nem os doces da festa. O piano onde Maria Teresa Madeira acompanha a ação passo a passo com a trilha musical é um enorme bolo confeitado. Na tela de fundo, frutas tropicais se encaixam perfeitamente ao clima musical. Numa linha que foge da caracterização óbvia dos “bichinhos do teatro”, Ney Madeira veste o elenco usando apenas elementos de referência. O resultado é de muito bom gosto. Completando a cena, Sueli Guerra cria uma coreografia inspirada nos açucarados musicais da Metro para o canto das meninas e um interessante movimento dançante de palco para os pretendentes. Tudo dá certo. A História da Baratinha é um espetáculo de surpresas que conquista a plateia a cada cena. Diversão em alto estilo para público de qualquer idade.
Cotação: 4 estrelas (Excelente)