Marionete na primeira cena: bom recurso no encontro de Gulliver com os seres diminutos de Lilliput

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 15.06.2003

 

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Gulliver: Opção de autora e diretora por diferentes linguagens dificulta apreensão do texto

Peça com bons momentos mas muita informação

O espetáculo Gulliver, em cartaz no Teatro Clara Nunes, é uma adaptação do clássico “As viagens de Gulliver“, escrito em 1726 pelo irlandês Jonathah Swift. A autora do texto, e também diretora da peça, Cíntia Alves, optou por levar ao palco as quatro histórias independentes que compõem o livro, utilizando diferentes linguagens em cada uma delas, o que pode não ter sido a melhor solução para a montagem.

Adaptar textos literários para o palco é uma das tarefas mais ingratas. E quando a obra em questão é “As viagens’ de Gulliver“, uma história em que o protagonista narra suas viagens por diferentes partes do mundo, o trabalho fica ainda mais árduo.

Primeira história provoca encantamento na plateia

Talvez por isso, a história mais explorada da obra de Swift seja a primeira, aquela em que Gulliver, após um naufrágio, vai parar num país habitado por diminutos seres humanos. E é justamente essa a cena que abre o espetáculo. Núm primeiro momento, ela provoca encantamento na plateia, porque os pequeninos seres são encarnados por marionetes – o que seria uma solução perfeita para acentuar a diferença de tamanho entre Gulliver e seus anfitriões.

Mas há uma quebra de expectativa quando se percebe que os pequeninos falam um idioma só compreendido em sua terra, Lilliput. E como as crianças da plateia são brasileiras, elas ficam privadas de entender o que se passa no palco. O ideal seria que os diálogos fossem “traduzidos” para o português. Isso não prejudicaria em nada o espetáculo, pelo contrário, faria com que o público fosse conquistado logo na primeira cena.

Ao deixar Lilliput, Gulliver vai parar numa terra de gigantes, onde é tratado como se fosse uma atração de circo. Nesse quadro, em que o personagem vivencia um grande sofrimento, a diretora utiliza o teatro de sombras. A ideia é boa, pois a escuridão ajuda a passar para o público a aflição de Gulliver.

Carregado pelo bico de uma gaivota, o protagonista consegue escapar dos gigantes. E depois de uma longa cena, que poderia ser enxugada, encontra uma japonesa e seu assistente. Esse é o quadro mais bem resolvido do espetáculo. Nele, os atores, todos com ótimo trabalho de corpo e grande inclinação para a comédia, têm a chance de mostrar seu virtuosismo. Os números de plateia são divertidos, agradando em cheio ao público.

Uma trilha sonora bem concebida e executada

Logo depois, Gulliver chega à terra dos Houyhnhnms, sua última parada antes de voltar para casa. A necessidade dessa cena, bastante complexa para as crianças, é questionável no espetáculo.

Na ficha técnica, chama especial atenção a direção musical de Elaine Giacomeli. Tanto a música quanto a sonoplastia, executadas ao vivo, traduzem com perfeição as mudanças de lugares e de estados da alma do personagem. Também são muito bem elaborados os figurinos de F. E. Kokocht e os bonecos de Virgilio Zago.

Gulliver é um espetáculo bem cuidado, estrelado por um elenco versátil. É uma pena que o excesso de informações, tanto, no texto quanto nos diferentes recursos utilizados pela diretora, tenha ofuscado o brilho que a montagem poderia ter. Mesmo assim, a peça tem qualidades que podem agradar a crianças de todas as idades.