Ousadia cênica como em teatro adulto: sorte dos pais

Crítica publicada na Revista Veja
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 09.05.1990

Sente sem medo nesse formigueiro

Há algo de muito curioso acontecendo no reino encantado do teatro infantil. Uma das peças em cartaz na cidade está lotando os 526 lugares do Teatro João Caetano, em todas as sessões – o que é realmente muito difícil quando se trata de um espetáculo para crianças. É uma raridade tão notável quanto ao fato de a mesma peça, ao cabo dos 34 minutos de sua curta duração. Colecionar aplausos eufóricos não só dos baixinhos de plateia, mas principalmente dos adultos. Muitos aplaudem de pé, como se acabassem de ver Fernanda Montenegro fazendo Shakespeare. A peça Guaiú – A Ópera das Formigas é talvez a atração da atual temporada que mais se encaixa no jargão “para crianças”. Quem pensa que se trata de algum texto conhecido e com montagem convencional se engana. Todo esse sucesso pesa na bagagem de um musical em forma de ópera, sem nenhum diálogo faldo. Do começo ao fim, tudo é cantado – e a garotada não se espanta, adora.

Apenas uma palavra é capaz de explicar essa coqueluche do momento em torno do formigueiro instalado no teatro da Vila Mariana. A palavra é qualidade. Se a coragem de ousar não caminha de mãos dadas com a química correta de se fazer teatro criativo, o espetáculo naufraga. E, em Guaiú, ousadia e talento combinam como morangos e Chantilly. O tempo de duração é perfeito: a peça acaba antes de qualquer bocejo. Os atores cantam e dançam na medida exata de animação. O enredo é gracioso: um formigueiro, comandado por uma rainha tirana, passa por transformações a partir da chegada de um divertido formigão, interessado em mudar as regras do jogo. Só para infernizar a rainha, ele simula uma explosão, usando bexigas coloridas: uma boa saca cênica. O figurino também é corajoso. Alguém levaria o filho numa peça em que apenas um dos atores do numeroso elenco não se veste inteiramente de preto? Quem arriscar vai descobrir que criança também gosta de inovação.