Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 05.12.2017
XPTO, de volta em sua melhor forma
Para celebrar a importância das brincadeiras infantis, premiado grupo encanta do começo ao fim com espetáculo zombeteiro e poético, apresentado gratuitamente em Vila Nova Cachoeirinha.
Houve um tempo em que tudo o que o Grupo XPTO fazia era muito premiado. Era quase “marmelada”. XPTO concorria? Barbada, ganhava fácil. Depois, houve uma mudança, um deslocamento e uma espécie de recesso de prêmios, mas não que o grupo tivesse ele próprio parado de atuar. As pesquisas sempre continuaram, o repertório sempre esteve vivo, as viagens nunca cessaram.
Eis que neste finalzinho de 2017, Osvaldo Gabrieli, Beto Firmino e todo o grupo nos brindam, em São Paulo, com uma novidade de nome tão extenso quanto belo, Grandes Verdades num Copo Cheio de Vento. Os apelos visual e musical continuam dando o tom no trabalho impecável do grupo, com muito talento e competência. Mas impossível não se encantar, desde o início, também com o texto, que é poético o tempo todo, brincalhão até não mais poder, alto astral, enigmático, cheio de metáforas inusitadas – e ideias, muitas ideias, o que se torna cada vez mais escasso neste nosso mundo raso e descartável.
Um galpão com arquibancadas foi construído especialmente pelo grupo, para encenarem o espetáculo no chamado Centro Cultural da Juventude Ruth Cardozo, encravado na Vila Nova Cachoeirinha, bairro da Zona Norte de São Paulo, pertencente ao distrito da Cachoeirinha. Como vale a pena ir até lá. Dá vontade de ficar dentro daquele espaço do XPTO para sempre, morando lá, em contato direto com um universo lúdico, colorido e fantasioso. Ah, se pudessem ‘ganhar’ esse galpão como sede, ou como espaço residente da companhia, para refazerem quantas vezes quisessem não só a peça atual, mas remontagens de todo o repertório.
As ‘engenhocas’ que eles criaram para Grandes Verdades são inacreditáveis, bem ao estilo do melhor de sua carreira. Adereços enormes, com rodinhas, entram no espaço cênico empurrados pelo elenco, feito cortejos, para deleite absoluto da plateia. A entrada do dragão, com sua cauda de bobina de papel branco, é um show, um impacto. O globo de números a serem sorteados, os cavalinhos de pau, a infinidade de chapéus e máscaras imitando bichos, os pufes que viram bonecos, um mar de tecido, o romance entre um anzol e um barco à vela – tudo isso faz a peça virar festa, regalos para nossos sentidos. São brincadeiras com cores o tempo todo. Com números. Com letras do alfabeto.
Logo no início, uma das dinâmicas propostas, baseada na livre associação de palavras, foi inspirada no jogo sugerido pelo titeriteiro argentino Javier Villafañe em seu livro Circulem, Cavalheiros, Circulem!. Tem como regra iniciar todas as palavras com uma mesma letra. Um trecho do espetáculo, por exemplo, com a letra A: “A letra A… abria anfiteatros atentos. Alimentava abecedários. Arrumava armários assoviando. Afastava agonias. Amamentava antas azuis. Assoprava arbustos. Assassinava aspargos. Amava alegremente.” O elenco faz isso com o alfabeto todo, sem ficar cansativo, ao contrário, estimulando a garotada alfabetizada a prestar muita atenção no texto-jogo.
Repare também quando entrar na história uma certa “galinha tonta”. O texto é inspirado em poema pouco conhecido de ninguém menos do que o espanhol Federico Garcia Lorca. E por falar nele, outra das brincadeiras da peça é inspirada no jogo que Lorca e Salvador Dalí costumavam praticar, quando moraram juntos numa república de estudantes de Madri. Nesse jogo, repete-se duas vezes um mesmo sujeito seguido pela expressão “a galinha” e finaliza-se com uma frase ‘maluquinha’, inventada na hora, feito nonsense. Um trecho da peça, para você entender melhor: “A vela. A vela. A galinha. E um sapato voando pela janela.” O outro ator responde: “Um sapato. Um sapato. A galinha. E um rato que persegue um gato.” E o próximo: “O gato. O gato. A galinha. E um tubarão que corre no mato.” E assim por diante.
As músicas que acompanham todas essas brincadeiras têm ritmos deliciosos, letras instigantes. Provocam no público um estado de euforia, embora nada seja tão frenético a ponto de destruir o clima de poesia do espetáculo. Trata-se, a bem da verdade, de um espetáculo calmo, nada apressado, que não tem ansiedade nenhuma. Vai no tempo dele, desenvolvendo cena atrás de cena, todas curtas e ágeis, e que convidam você a ficar ali ‘viajando’ naquele mundão de criatividade extrema – graças, sobretudo, ao elenco bem entrosado, desinibido – atores que passam por você olhando em seus olhos, sorrindo de felicidade, mostrando que teatro é comunhão, troca, sintonia. Mostrando como seria mágico se a vida também pudesse ser isso: um lindo e constante encadeamento de saudáveis brincadeiras infantis.
Serviço
Local: Centro Cultural da Juventude Ruth Cardozo
Endereço: Av. Deputado Emilio Carlos 3.641 Vila Nova Cachoerinha – São Paulo – SP
Telefone: 11 3343-8999
Quando: Sábados 11h e 15h30 e domingos 11h e 14h30
Classificação etária: 5 anos
Duração: 50 min.
Ingressos: Grátis
Temporada: De 18 de novembro a 10 de dezembro de 2017