Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 30.05.1981
A ‘mocinha casadoura’ em abordagem mais original
Silvia Orthoff mais uma vez conta uma história para crianças criando fantasias a partir de situações bem concretas do nosso cotidiano. No caso de A Gema do Ovo da Ema, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, discute-se, à primeira vista, uma situação muito batida; o pai quer escolher o marido de sua filha. Entretanto, há enfoques mais originais; existe a aranha que tece o fio da história, que se recusa a ser cúmplice do pai, arbitrário e que chega a afirmar; “Aqui nesta história, as coisas mudam”. Outro enfoque interessante do problema está na maneira como a mocinha casadoura se define para os demais: “Eu sou a filha do coronel”; e a resposta que recebe (“Isso não quer dizer quem você é”) determina nela um desejo de assumir sua identidade de ser humano autêntico, que inclui o papel de filha, mas que não se limita a ele. Neste texto interessante, e com os característicos toques de humor da autora, é neste momento que se encontra a falha mais marcante, pois a Silvia Orthoff prepara uma transformação no personagem da filha que, de passiva e submissa, tomaria seu destino nas mãos e viveria sua própria vida (e não a de seu pai). Entretanto, o máximo que a menina faz é voltar a se vestir com sua roupa de chita. Tudo o que acontece a seguir, que acabará levando o pai-coronel a concordar com o casamento, é fruto da luta do marinheiro. Na verdade, ela continua passiva. Antes, era passiva esperando as ordens do pai; no final, segue passiva esperando o resultado da luta que o marujo trava com o pai dela com o objetivo de chegar ao casamento.
A encenação, da própria autora, mantém o nível dos últimos trabalhos de Silvia Orthoff; bom acabamento, um visual simples, mas bonito e harmônico, (a ideia dos figurinos dos árabes é ótima), atores seguros. Neste particular, destaque-se o trabalho de Fátima Malheiros, como filha. A atriz toma um pouco o caminho da caricatura, da exteriorização, um caminho mais fácil; entretanto, dentro da linha dada ao personagem (pela própria atriz ou pela direção, não sei) Fátima se sai muito bem, contando com bons tempos, engraçadas expressões faciais, uma boa comunicação através do humor. Vale, destacar, também, o ator Fábio Rocha (que faz o Palhaço), com bom pique e excelente trabalho de corpo. As músicas e a direção musical de Paulinho Guimarães dão bem o clima procurado pela autora-diretora; e, se os atores não cantam bem, pelo menos nesta peça temos o prazer de vê-los cantar corretamente.
O melhor momento da encenação é o da sequência em que a filha se veste dentro do que acha ser o ideal do consumo e é oferecida pelo pai a futuros maridos ricos. É um momento cheio de humor, crítico como encenação e como texto (“É preciso sofrer pra ser bela” / “Filha de coronel não sua”), a roupa é louquíssima. O interesse do espetáculo, entretanto, vai caindo da metade para o final e a peça acaba meio pra baixo. Como houve substituição de última hora em um dos atores é possível que a causa da queda do rendimento esteja aí. Vamos torcer para que o ator Everardo Senna (que entrou meio no fogo) sinta-se tão seguro quanto os demais, o mais rapidamente possível; e que a encenação não sofra quedas de interesse na sua parte final.