Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 20.05.1995
Um conto de fadas crítico
A Gata Borralheira, que Maria Clara Machado escreveu em 1962, é um texto em que o espírito crítico e brincalhão da autora supera qualquer expectativa que possa se ter uma adaptação. Mantendo apenas os personagens centrais do original dos Irmãos Grimm, Clara emprestou ao texto seus próprios tipos, numa composição de rara felicidade.
Trazendo a narrativa para o Brasil, sua Borralheira é agora Dulcinéia. A madrasta é Dona Firmina, e as meio-irmãs Anastácia e Griselda são substituídas com vantagem por Rosa e Margaridinha. Nesta história muito próxima a realidade, a madrinha é dona Fada Santos, uma vizinha muito prestativa que transforma as abóboras não em carruagens, mas em doces. Também na realeza as coisas estão colocadas em seus devidos lugares. No Palácio do Alvoroço, o dinheiro anda curto e o príncipe promove o baile, onde são convidadas todas as moças do reino, só para arranjar uma noiva rica.
No entanto, como a mão da autora não falha, seus personagens acabam ganhando contornos irresistíveis. E o que poderia se tornar apenas o reverso de um conto de fadas, assombrado pela realidade explícita, se converte numa bem-construída comédia de costumes. Até para as irmãs de Cinderela/Dulcinéia, a autora arranja dois pretendentes à altura de suas personalidades.
A direção de Marcello Caridad segue uma linha camerística, em que os personagens de apoio são suprimidos. Apostando no humor digestivo, sem, no entanto apelar para o óbvio das situações, o diretor realiza uma encenação bem-cuidada, mas não tão exigente na qualidade das performances individuais. Uma opção que já faz parte da história do teatro, que classifica os profissionais da área como diretor de ator ou diretor de espetáculo. Sem que os lados oponentes tenham chegado a uma conclusão plausível.
Subvertendo a ordem natural de preferência do público, o príncipe, até então um papel de adorno, em contraponto a personagens femininas tão fortes, ganha especial destaque pela atuação de Marco Rodrigo. Numa composição muito próxima ao jeito espontâneo das crianças reagirem aos adultos mal- educados, o ator comanda o riso na plateia. Raimundo Ribeiro, no papel da madrasta, cria um tipo sem exibições exageradas, e Renata Lavíola, a Dulcinéia, cumpre seu papel corretamente. Anja Bithencourt se sai melhor como Fada, mas não escapa da maldição das gêmeas, quando contracena com Renata Costa na dupla de irmãs.
Sem maiores invenções, o espetáculo diverte a plateia com seus roquinhos e baladas, amparados no humor do texto.
A Gata Borralheira está em cartaz no Teatro Barrashopping, aos sábados e domingos, às 17h30. Ingressos a R$ 6.
Cotação: 2 estrelas