Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.12.1999

 

Barra

Feitiços da Vila e do palco

A autora e diretora Karen Acioly desenvolve no Centro Cultural da Light, no teatro Lamartine Babo, excelente trabalho de formação de plateias. Seus espetáculos , sempre muito bem-acabados, têm como tema o musical brasileiro e já conquistaram público cativo. Não é raro ver-se por lá a jovem plateia cantarolando com o elenco melodias há muito fora do mercado. Assim foi em Viva o Zé Pereira, divertida história do carnaval, Manosofia, onde estavam em cena cantigas de roda, e, História da Baratinha, com os principais hits do compositor Braguinha. Agora é a vez de Noel Rosa.

Garoto Noel, assim como Tuhu e o Menino Villa-Lobos, também de Karen Acioly e também para o Centro Cultural da Light, focaliza a infância do compositor. Escrito em parceria com Carlos Didier, o texto mostra Noel em cenas do cotidiano com brincadeiras e travessuras que já ensaiavam sua genialidade. Dividida em dois palcos – Noel criança e adolescente -, a história se conta ao sabor de suas canções mais bem-humoradas, como O Gago Apaixonado e AEIOU. Não numa linha de tempo realista, mas como registro de inspiração.

Mas se a trama leve se desenvolve bem no palco, a escolha de um elenco de jovens atores, com pouca experiência em canto e dança, por vezes, prejudica a cena musical. Ao contrário de Tuhu e o Menino Villa-Lobos, que contava com atores-cantores como Soraya Ravenle e José Maura Brant, e de Manosofia com o coral de vozes de Agnes Moço, o novo espetáculo centra suas forças na direção de interpretação de texto e composição de personagens. E nisso a diretora acerta. Mesmo assim, os tipos bem compostos derrapam na interpretação musical, como era de se esperar, pois não são cantores, e sim atores em formação, tendo de se arriscar na difícil empreitada do teatro musical brasileiro. Está valendo.

Mesmo com o ligeiro entrave, a plateia que lota o teatro sai satisfeita com o que vê. O palco, recheado de bons elementos cênicos, tem cenários muito delicados de Regina Gilson, que põe em cena a vida do compositor em homenagem precisa. As cadeiras da sala de Noel têm claves musicais no encosto e as do Colégio São Bento, asas de anjo. Nos varais, as peças de roupa em tons pastéis registram a época. Os figurinos de Emília Duncan seguem a mesma linha, numa ótima composição para o conjunto. Fernando Sant’Anna, exercendo sua função de bonequeiro, cria um lindo teatro de sombra para a encenação.

Garoto Noel é um espetáculo que põe a plateia participante em primeiro plano. São crianças muito pequenas que vêem e revêem o espetáculo quantas vezes lhes for possível, e de lá saem cantando Feitiço da Vila como se esta fosse a música de maior sucesso nas paredes. Marca mais um tento a encenadora, na conquista de seu público.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)