O ator Fernando Abreu interpreta Galileu na
bem-cuidada encenação

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 04.09.1994

 

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Diversão e reflexão juntas no palco

A ideia inicial do diretor Flávio Desgranges, também autor do texto, em parceria com Giuliana Simões, era traduzir para o público infantil o teatro épico de Brecht e sua relação com o espectador. Algo que fizesse o público refletir, raciocinar sobre o que está vendo e, sobretudo se divertir. Sem o impacto visual pré-tropicalista da montagem de 1978, do Grupo Oficina, o Galileu de Desgranges e Simões é um convite à aventura dos descobrimentos e invenções. Aventura que começa na entrada, quando os passageiros têm suas mãos carimbadas com a figura de um leme, passaporte imprescindível para o embarque. O simples, mas eficiente artifício cria imediatamente um vínculo de cumplicidade, garantindo a compreensão da mensagem de que, sem o público, o espetáculo não acontece.

No palco, ambientado como um navio prestes a partir, a história se inicia com um narrador, presente em cena, apresentando os personagens. Realizado dentro da proposta brechtiana de interpretação, os personagens se quebram diante do espectador, interferindo na narrativa e opinando sobre suas características pessoais. Galileu, por exemplo, pede para não ser apresentado como um herói, de tantas qualidades, no que é plenamente atendido. Ainda sob o comando de Galileu, a operação da luz cria os climas desejados pelo intérprete.

Dessa maneira, a história das invenções é incorporada ao cotidiano do inventor, privilegiando não o gênio, mas o homem comum. Ao observador, é dado o prazer de testemunhar o nascimento, dentre outros inventos, do telescópio, a partir de uma luneta usada por um dos alunos do mestre para focalizar a namorada. Respeitando a linguagem simples usada pelo próprio Galileu ao relatar suas experiências em seus livros, o texto flui sem didatismo exagerados. A inserção do teatro de bonecos, para representar a trajetória do inventor pelas vilas da Itália, torna-se um dos pontos altos da encenação.

O elenco, ainda um pouco tímido, poderia ousar mais em suas performances. Com exceção de Giuliana Simões, no papel masculino de André Sardi, composto cuidadosamente, o restante se sai bem em momentos específicos, como no caso de Sonali Becker, manipulando o teatro de bonecos; Fernando Abreu e Henrique Santiago, respectivamente Galilei e o Narrador, discutindo a montagem dos personagens; e Ronaldo reis, como Ludovico.

Os cenários de Ronaldo Reis e os figurinos de Daniel Machado Pinheiro e Norma Peixoto ilustram com muito bom gosto a proposta do espetáculo. A trilha musical de Chiquinho Rota e a luz de Paulo César Medeiros se destacam pelo efeito delicado.

Sem nenhuma pretensão de revolucionar o teatro brasileiro, ou de reproduzir um fascículo histórico no palco, Galileu é uma montagem cativante, que, com alguns acertos de ritmo, pode ficar ainda melhor.

Galileu está em cartaz no Teatro delfim, aos sábados e domingos, às 17h. Ingressos a R$4.

Cotação: 2 estrelas (Bom)