Fortes Batidas é voltada para o público adolescente

Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 15.05.2015

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Teatro para adolescentes ganha o universo das baladas

Em Fortes Batidas, o público fica na pista e participa da festa com os atores

Vamos à balada? Pois é isso mesmo. Fortes Batidas é uma peça de teatro que se passa durante uma balada. O público fica o tempo todo na pista, interagindo com os 15 atores. É permitido beber, dançar e beijar enquanto rola a peça. Dizem que o nome disso é teatro imersivo. Seja como for, é um grande espetáculo, concebido e dirigido por Pedro Machado Granato, que também assina a dramaturgia final.

Fortes Batidas é um digno representante de uma vertente que se convencionou chamar de ‘teatro jovem’, tão difícil de ser contemplada com bons espetáculos. Aqui, o tema é jovem, o elenco é jovem, a trilha é jovem, o universo retratado é completamente ligado aos jovens. Digo isso porque, muitas vezes, a intenção é ser jovem, mas o resultado nem chega perto. Na balada de Granato, não há riscos: tudo transpira juventude.

Como espectadores, vemos desfilar à nossa frente uma galeria de personagens críveis, com diálogos absolutamente verossímeis, configurando essa experiência performática em um irretocável retrato geracional. Em foco, questões importantíssimas da atualidade como a homofobia e a intolerância sexual.

Com apoio amplo e geral da grande Lizette Negreiros, da Divisão de Curadoria Infantil do Centro Cultural São Paulo, Fortes Batidas fez uma primeira e retumbante temporada no porão do CCSP, com filas enormes e gente voltando para casa sem caber dentro da balada. Agora, a partir deste fim de semana, a segunda temporada transcorre no Teatro Pequeno Ato, na Consolação. Quem gosta de aventuras cênicas inusitadas e ousadas não pode perder por nada.

Vale citar os nomes de todos os integrantes do elenco, pois todos estão muito bem integrados à proposta da balada teatral, com jogo de cintura para lidar com as improvisações inevitáveis nesse tipo de interação com o público. Parabéns. São eles: Ariel Rodrigues, Beatriz Silveira, Bianca Lopresti, Eduardo Scudeler, Fernando Vilela, Gabriela Andrade, Gabriela Gama, Gal Goldwaser, Ingrid Mantovan, Ivan Arcuschin, Laura Vicente, Lia Maria, Lucas Oranmian, Mateus Fávero e Maurício Machado.

Mas nada melhor do que a palavra do próprio diretor, para compreendermos a ousadia de Fortes Batidas. Com vocês, Pedro Granato:

Crescer: Por que, na sua opinião, há poucas peças voltadas para o universo jovem?

Pedro Granato: Difícil explicar, porque eu acho sem sentido não ser um segmento muito contemplado. Tanto que eu estou buscando apaixonadamente dialogar com os jovens. Primeiro me parece que temos enorme carência de dramaturgias que pensem nossa realidade e ao mesmo tempo procurem um contato com o público. Como se querer dialogar com o público tornasse a arte menos “nobre”, uma visão elitista mesmo. É uma grande confusão entre o realismo e o melodrama das novelas, uma confusão entre buscar o público e ser comercial, como se fossem a mesma coisa – e não são. Em Buenos Aires, Londres, Nova York, vejo uma dramaturgia sem medo de se identificar com o conflito dos personagens, de se aproximar da situação de alguém, sem que isso seja tachado de pieguismo. Com desenvolvimento de conflito, ponto de virada, personagens com estrutura psicológica, um trabalho de carpintaria, dramaturgos ensinando novas gerações de dramaturgos. Talvez isso remeta à própria sociedade brasileira em que o indivíduo é desimportante. São Paulo é uma cidade com pouca “escala humana”, construída em um gigantismo que a individualidade é confundida com individualismo. O enorme poder da péssima dramaturgia televisiva acaba atrapalhando as tentativas. Qualquer projeto que proponha se identificar com o conflito dos jovens vai ter que fugir da sombra de “Malhação”, só porque é praticamente a única referência que muita gente tem de dramaturgia para jovens. Precisamos quebrar essa hegemonia.

Crescer: Conte algum episódio curioso, envolvendo o público, durante a primeira temporada da peça, no CCSP.

Pedro Granato: Muitas histórias acontecem entre o público e os atores, inclusive silenciosamente, histórias delicadas construídas com improviso e interação. Mais de uma vez alguém veio contar que ficou morrendo de ódio dos dois playboys que furaram a fila e depois eles viram eles em cena e perceberam que eram personagens. Ou gente que fica mexida com uma das atrizes que seduz a plateia sem saber que ela é da peça. Agora o envolvimento da plateia na trajetória dos personagens é lindo. Todos os dias o público vibra muito quando os dois meninos finalmente se beijam, e é sempre um termômetro de que a plateia está envolvida com a história. Eu amei no dia em que, quando o personagem playboy foi sair, ele foi vaiado pela plateia, e ele respondeu arremessando os cigarros para todos, provocando de volta. A plateia não só acompanhou a história como entrou no jogo, queria interferir, estava fazendo parte de tudo e tomando partidos.

Crescer: Conte os retornos mais legais que vocês tiveram até agora, vindos dos jovens da plateia.

Pedro Granato: Uma menina mandou um texto enorme para o elenco, muito emocionada, agradecendo pela peça e dizendo que o espetáculo trouxe à tona o dia em que ela tomou a decisão de beijar pela primeira vez uma menina. Todos os sentimentos que ela teve no dia. E tudo que mudou em sua vida até então. Tem muita gente que gosta muito da mistura entre teatro e festa, que pedem a trilha inteira, que dizem que querem ir a uma festa assim. Tanto que teve uma menina que chegou 5 horas antes da peça pra ficar na fila e no final escreveu um texto enorme dizendo que a expectativa dela era alta, que o sacrifício foi altíssimo mas que havíamos superado todas as suas expectativas. É um desses feedbacks que dão a sensação de que todo nosso trabalho atingiu onde queria, não era uma loucura aquelas filas. As pessoas estavam ficando e saindo satisfeitas.

Crescer: Qual o espaço que você, como diretor, deu aos 15 atores para improvisações e ‘cacos’? Ou tudo o que rola foi pensado, ensaiado e previsto?

Pedro Granato: Dei todo o espaço. Cheguei como um ideia: fazer um retrato de vários jovens em uma noite na pista de dança. Não sabia quem eram, como seria, o que seria. Tudo surgiu com eles, com muita improvisação, muita conversa, muita escuta, brincadeiras e carinho mútuo. Ouvia as músicas, via os filmes que eles falavam. Foi uma troca maravilhosa que criou a peça a partir do encontro. Muita gente veio me dizer depois da peça que amou o “casting”. Não teve isso. Os personagens foram criados para e por aquelas pessoas, elas sabiam muito bem tudo o que estavam falando, porque criaram junto. Não é um texto importado, não é uma situação desconhecida por eles. Falamos de seus conflitos. Então é natural que eles tenham desenvoltura para improvisar, colocar cacos. Eu os treinei para isso o tempo inteiro. Ao longo do processo trabalhamos muito a ideia de que o personagem é um eixo vivo que permite que eles ‘joguem’ na fila, na pista ou no bar, com outro ator ou com a plateia.

Crescer: Comente um pouco da escolha do repertório, citando algumas canções.

Pedro Granato: Trouxe muito do que eu gostava de dançar e discotecar com bandas como LCD Soudsystem, Hot Chip, Strokes e Daft Punk. E fui conhecendo músicas ótimas e artistas novos com eles, ao longo do processo, como Stromae e Adore Delano, que são a cara dessa nova geração. Brincam com gênero sexual sem pudores. A música que encerra a peça foi proposta pelos atores, eu nem conhecia. E queria também clássicos da pista que pegassem qualquer geração e dialogassem com isso, afinal todos já foram jovens. Ai entramos com “Modern Love”, do Bowie, que foi um precursor do que há de mais contemporâneo. “Tainted Love” é outra música que embalou gerações e está na trilha também. E queria muito colocar músicas brasileiras, apesar de ser mais difícil porque, como sempre, tem música junto aos diálogos e a letra às vezes atrapalha o que está sendo dito quando é em português. Resultado: “Minha Menina”, do Jorge Ben Jor, na maravilhosa versão dos Mutantes, é praticamente o diálogo de uma cena. Ela fala o que os personagens falariam, com um jogo que gosto muito entre dança e letra.

Crescer: Na sessão a que compareci, você atuava como o DJ da balada. É sempre assim? O diretor está pessoalmente cuidando do som durante cada sessão?

Pedro Granato: O DJ e o iluminador estão assumidos como personagens dentro da peça, tanto que os dois são atores. Dançam e operam às vistas da plateia, como em uma fes;ta. Acho legal descortinar a “técnica” pra explodir qualquer resquício de quarta parede. Na peça, o público está dentro da experiência, não é um espectador passivo. Nesse sentido eu sou um diretor que posso ser visto discotecando um dia, cuidando da entrada com o gerente e a hostess, tomando algum drink ou até dançando junto na pista.

Serviço

Pequeno Ato
Rua Teodoro Baima, 78 – entre Ipiranga e Consolação
Temporada: De 15 de Maio a 3 de Julho
Sempre às sextas, 21h30
Ingressos: R$40/ R$20
Classificação: 16 anos