Crítica publicada no jornal Última Hora
Por Luiz Sorel – Rio de Janeiro – 1988

 

O Bom e o Péssimo

O horário duplo do Planetário da Gávea continua com a sua política de manter duas peças diferentes em cartaz. Parece também que o resultado continua o mesmo, ou seja, uma é ruim e a outra é boa.

Quando será que teremos neste simpático lugar duas peças equilibradas e que respeitem a inteligência da criança?

No horário das 16 horas, a peça O Robô Tá Roubado, com texto e direção de Marcelo Guapyassu, não traz nada de novo na ótica do mundo dos bonecos. É a eterna repetição dos bonecos que adquirem vida quando o dono da loja sai. Um tema por demais batido e que, desde a apresentação de A Revolta dos Brinquedos, de Pernambuco de Oliveira, vem se repetindo à exaustão. Nada de novo é analisado, a linguagem cênica é antiga, os cenários inexistentes e os figurinos dejá vu e sem criatividade. E o que falar do personagem Avião, que está sempre numa boa, falando como se estivesse dopado e dizendo que o negócio é “viajar”? Pode até ser que a intenção seja outra, mas passa para o público um duplo sentimento de todas as maneiras nocivo.

O grupo declara que “pela forma equivocada com que alguns grupos teatrais, geralmente amadores, encaram esse tipo de trabalho, o público vem se afastando do teatro infantil”.

Não deixa de ser verdade, mas, por muitas vezes, os grupos amadores já apresentaram espetáculos de deixar muitos “profissionais” de cara no chão. É só assistir ao trabalho de Maria Luiza Prates frente ao Colégio Isa Prates, para ver que o amador é muito bom.

O elenco grita muito e não consegue concretizar a construção de seus personagens, com exceção de Eduardo Bittencourt e sua formação acrobática, e da voz de Ricardo Gouveia, que é o único que canta afinado.

Marcelo Guapyassu também consegue uma simpatia com a plateia, criando um robô comunicativo.

O Robô Tá Roubado tem mais boas intenções do que propriamente um resultado bom. É um espetáculo bastante desigual e que emite conceitos que precisam ser mais pensados pelo grupo. “Por isso, é necessário e fundamental a atenção a esses detalhes e melhorar, consequentemente, textos e propostas”, dizem no programa.

Então por que não o fizeram?

Às 17h30m, Formigando, de Sérgio Coelho, apesar de contar no seu elenco com “amadores” e crianças, consegue um resultado até certo ponto surpreendente. É um espetáculo limpo, com pesquisa corporal e muito bem cuidado. Os cenários são bem criativos, com latas de lixo que viram tronos e até uma incubadeira onde são colocados os ovos. As larvas se desenvolverão para a sobrevivência da espécie de obreiras, operárias e guerreiras.

Só que, usando o mundo das formigas e sua sociedade organizada, o diretor cria uma parábola sobre o poder, com suas implicações políticas, golpes de estado e revolta popular.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. O diretor cria uma linguagem cênica toda marcadinha e descontraída, com um espírito bem brasileiro onde a música de batucada é usada de forma criativa e coerente. Acima de tudo, ataca diretamente a exploração das camadas mais humildes pelos poderosos, no caso, as formigas guerreiras. A cena da revolta das obreiras através da transferência dos alimentos para outro formigueiro demonstra lucidez, comedimento e inteligência. O poder é derrubado pela união do povo, não pela violência, mas sim pela utilização da razão e da conscientização social.

Uma bela mensagem, num espetáculo bonito de ser visto e que, mesmo com “amadores” no elenco, consegue um resultado estimulante. Formigando merece ser prestigiado e, acima de tudo, discutido. O público mirim sai do teatro formigando mil ideias numa montagem para nenhum entomologista colocar defeito. Uma bela surpresa.