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Ao longo de meu percurso como professora de formas animadas, percebo sobre tudo nos espetáculos destinados ao público infantil, uma maior inclusão de elementos que fazem parte do amplo universo das formas animadas. Tive a oportunidade de participar do 10º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, e constatar que esta linguagem está realmente inserida, nos mais diversos espetáculos. Muitos deles se utilizam e dão vida a estas formas de maneira positiva e rica, pois para que possamos acreditar na fábula ou no sonho, tudo deve ser muito bem elaborado e minuciosamente trabalhado, de forma a não se perder o brilho natural da linguagem. Outros a utilizam forma descuidada, perdendo assim a possibilidade de crescimento do seu espetáculo e desvalorizando uma área tão importante, muitas vezes por desconhecimento. Este artigo levanta algumas questões, que para muitos, pode ser o início de uma rica pesquisa nesta área.

O teatro de formas animadas constitui-se num universo amplo de possibilidades expressivas. Suas diversas técnicas, sua interação com as outras artes, principalmente as visuais, suas influências sobre as vanguardas do princípio do século, as relações entre o ator e o objeto, enfim, tornam esta linguagem um amplo campo de experimentações e estudos. Estas formas de expressão devem ser trabalhadas com regras, técnicas, efeitos e recursos de animação distintos em cada uma delas. Isso explica as diferentes expressões dentro do Teatro de Animação ou Teatro de Formas Animadas: teatro de bonecos, teatro de máscaras, teatro de sombras, teatro de objetos.

A imagem do boneco aparece no princípio do século XX cercada de muitas interpretações. Edward Gordon Craig visualizou no boneco um símbolo que poderia ajudar o ator a superar a interpretação baseada na recitação do texto, a interpretação realista predominante na época. Craig estava apontando para a necessidade de mudanças na concepção de interpretação dos atores da época, que era artificial, realista, e através da qual, quase somente o rosto falava. Ele queria um ator completo, de corpo e alma no palco, que agisse como o boneco; impessoal, antipsicológico, mas cheio de graça e perfeição.

Antes de Craig, o alemão H. Von Kleist já dizia em seu famoso artigo, “Sur Le Théâtre de Marionnettes” 1933:13, “os bonecos mostram ritmo, mobilidade e leveza, deixando clara a vantagem que possuem sobre os humanos; eles não têm afetações, pois não tem sentimentos”.

Com estas palavras de Kleist podemos afirmar que os bonecos são donos de uma força misteriosa que seduz a crianças e adultos. É incrível como é possível perceber em um boneco as mais diversas expressões: podemos vê-lo rir ou chorar, apesar de sua máscara de madeira ou de pano rígida, imutável, mas é dono de um caráter irrefutável. Por esta razão, o boneco é o personagem acabado, ele não pode representar outro papel se não aquele para o qual ele foi construído. Um boneco jamais poderá fazer no papel de príncipe ou de marechal, ele será o príncipe por inteiro ou o marechal por inteiro. Creio que está aí a força do boneco: ele é o personagem por inteiro, é autêntico, misterioso, irreal.

Da mesma forma, confeccionada especialmente para determinados espetáculos, a máscara é geralmente construída em cima de uma personagem. Nas proposições de um teatro que valoriza o gesto, sons, silêncios, aproveitando-se de uma economia de palavras com o objetivo de chegar ao petiço. São idéias fundamentais para a inclusão da máscara na cena. A máscara representa entidades ou tipos, anula o rosto do comediante e cria as condições de jogo. Impõe um jogo corporal que deve ter afinidade com a sua linguagem. A tragédia grega e a commedia dell’arte usaram a máscara de maneira exemplar.

As máscaras expressivas se diferem da neutra por conter uma expressão, por sugerir uma personagem. Elas exigem uma quantidade mínima de gestos que as identifiquem como um “tipo”. Por isso, elas não representam uma individualidade, mas um protótipo, tal como o trabalhador, o patrão, o mendigo. A meia máscara, que foi muito usada pelos atores da Commedia Dell’Arte, é uma variante da máscara expressiva e é trabalhada com a palavra.

A máscara neutra á aquela que, ao mesmo tempo em que esconde o rosto do ator, expões aquilo que ele é. Ao propor o uso da máscara neutra, não se está buscando uma pessoa neutra, mas uma ação neutra, universal, comum a todos os seres humanos. Uma das grandes contribuições da máscara neutra é exatamente auxiliar na seleção de gestos mínimos, porém amplos e precisos para a realização de cada ação. Quando pensamos que ao colocar uma máscara nos escondemos, nos enganamos, pois, ao contrário, a máscara evidencia os gestos. Torna-se, no entanto, perceptível a quantidade excessiva de gestos que fazemos para executar uma ação. A limpeza e a diminuição dos gestos se dão através da repetição. É preciso repetir e analisar os progressos conseguidos, e estabelecer um subtexto para cada ação ou gesto, o que auxilia o ator na identificação do gesto mínimo buscado. Portanto, esta é uma máscara para o uso do trabalho do ator, a busca de um ideal de corpo que diga muito com poucos movimentos, significando assim uma ação limpa e precisa.

No entanto, quando se trabalha com o teatro de objetos, escolhe-se um determinado objeto e este é eleito como algo que ganhará movimento e vida, levando o espectador a apropriar-se da ficção que lhe permite percorrer o simbólico. Para que o objeto funcione na cena, é necessária uma série de experimentações, partindo de seu uso cotidiano para modificá-lo, alternando possibilidades, trabalhando seu ponto de equilíbrio e as características que lhe são próprias. “A mudança do ponto de equilíbrio de um objeto faz com que sua função original se modifique” Castoriades, 1982. O movimento nesse novo eixo nos dá impressão de vida em seu desequilíbrio. Com isto, o público passa imediatamente a vê-lo como um ser vivo, procurando identificar cabeça, olhos, boca, membros e muitas vezes idade e sexo. Neste momento, a magia do objeto em movimento é lançada, ele adquiriu vida e seu comportamento será determinado pelo ator manipulador.

A concepção do espetáculo é que caracterizará e qualificará o mesmo. As diferentes formas de uso da linguagem do Teatro de Formas Animadas empregadas pelos grupos, esta mistura que vemos nos festivais, para concepção dos espetáculos, está trazendo a tona pensamentos do início do século, como os de Craig, Kleist e tantos outros estudiosos do teatro, que viam no boneco o símbolo do ator ideal e de uma forma teatral totalmente renovada. O importante é poder usufruir desta linguagem da melhor forma possível, conhecendo suas técnicas e qualidades.

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Bibliografia

Amaral, Ana Maria. Teatro de Formas Animadas. São Paulo: EDUSP, 1990
Aslan, Odette. Le Masque: Du Rite au Thèâtre. Paris: CNRS, 1985
Bensky, Roger Daniel. Recherches sur les structures et la symbolique de la marionnette. Saint-Genouph: Librairie Nizet, 2000
Borba Filho, Hermilo. Fisionomia e Espírito Mamulengo. Rio de Janeiro: Inacen, 1987
Castoriadis, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. R. de Janeiro: Paz e Terra, 1982
Craig, Edward Gordon. A Arte do Teatro. São Paulo: Arcádia, 1963
Jurkowski, Henrik. Ecrivains et Marionnettes. Quatre siécles de littérature dramatique en Europe, Charlaville Mézières: Editons Institut International de la Marionnette, 1991
Kleist, Henrich Von. Sur le Thèâtre de Marionnettes. Munich:Edition mille et une nuits, 1982
Lecoq, Jacques. Rôle du masque dans la formation de l’acteur. In: Aslan, Odette. Le Masque – Du Rite au Thèâtre. Paris: Editions du CNRS, 1988

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Maria de Fátima de S. Moretti (Sassá)
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina

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Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 10º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (2006)