Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 26.02.1977

Barra

Flicts

Inúmeros louvores já foram entoados ao trabalho de Ziraldo. A sua proposta original – a do livro – carrega elementos simples, mas ao mesmo tempo de grande significação e que afetam a sensibilidade tanto do público infantil quanto a do adulto. O tema clássico e já mais que batido – aquele que é rejeitado por ser diferente – recebeu um tratamento visual inteligente e sensível. Depois da excelente receptividade do livro, Ziraldo e Aderbal Jr., resolveram realizar uma adaptação para o teatro. Não vi esta montagem bastante elogiada. Entretanto, o texto que o diretor Ricardo Howat utilizou nesta morna encenação em cartaz no Museu de Arte Moderna é o mesmo. Porque, então o espetáculo é frio, chôcho, monótono no trabalho de Ziraldo?

A chave dos equívocos está na direção de Ricardo Howat. Ele não foi feliz na sua concepção, que resulta distanciada quando o texto estimula o envolvimento: que resulta monótona quando o texto mexe com elementos dinâmicos como busca aventura, luta contra a rejeição: que resulta lentíssimo e longo quando o texto permite algo sempre vivo e com um interesse crescente. A direção de Ricardo Howat não consegue estabelecer momentos de ênfase: todas as cenas têm a mesma força (ou falta de) e só consegue-se uma modulação quando o elenco canta. Nestes momentos, o trabalho desce ainda pouco mais.

O modo como a montagem se desenvolve traduz uma linha de direção sem qualquer dose de imaginação. Tendo nas mãos muito espaço e muita cor, o diretor conseguiu realizar um espetáculo, visualmente repetitivo e caracterizado por movimentos duros, limitados e pobres. Os atores atuam sem qualquer garra e a atriz que interpreta o papel principal é a única que passa uma certa verdade, apesar de sua voz fraquinha. Uma direção mais lúcida exploraria a capacidade de comunicação da atriz, permitindo inclusive, novas áreas de interesse do trabalho junto ao público.

A ida ao MAM para ver Flicts torna-se uma aventura frustrante. Não é nem o caso de se afirmar que, na Sala Corpo Som, acontecem coisas ruins: simplesmente as coisas não acontecem. A poesia do Flicts está ausente do trabalho. As crianças podem ser levadas pelos pais e certamente se divertirão um pouco – apesar da grande extensão do espetáculo. Mas o que fica, basicamente, é o sentimento de perda, ao ver que um grupo desperdiça (pela sua ingenuidade e inexperiência) elementos que atuam fortemente na plateia infantil. Pior mesmo, para o grupo, é vender o livro no intervalo, pois o espectador fica tendo a justa medida da diferença gritante entre o original e a transposição para o palco. Com muito menos recursos, o livro vai muito mais longe.